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(texto enviado a Tendências/Debates da Folha de S. Paulo em 2 de março de 2018. O texto foi recusado pela Folha).
Por Wagner de Melo Romão, Andréia Galvão e Frederico de Almeida, docentes do Departamento de Ciência Política da Unicamp
Há algumas semanas, o professor Luis Felipe Miguel, da Universidade de Brasília, apresentou o programa de sua disciplina optativa “O golpe de 2016 e o futuro da democracia no Brasil”. O anúncio foi seguido pela manifestação do ministro da Educação Mendonça Filho, que ameaçou processar nosso colega por improbidade administrativa.
Em reação, docentes do Instituto de Filosofia e Ciências Humanas e da Faculdade de Educação da Unicamp organizaram cursos livres com o mesmo título da disciplina da UnB. Ações semelhantes têm se espalhado em dezenas de universidades Brasil afora.
Esta Folha, em seu editorial de 28 de fevereiro, criticou ambos, o professor e o ministro. Aquele que deveria ser o maior magistrado da nação no campo educacional atentou contra a liberdade de pesquisa, de ensino e a autonomia universitária consagrada pelo artigo 207 da Constituição Federal.
No entanto, a Folha deu razão ao ministro ao sugerir que a disciplina teria alinhamento partidário e que “seria mais prático consultar as notas oficiais” do PT, reservando “o tempo em sala de aula para conhecimentos mais técnicos”.
Em qualquer campo do conhecimento e, especialmente em Ciência Política, recusar as aproximações entre o que pensam os acadêmicos e os próprios políticos é uma posição desprovida de fundamento. Por um lado, desconhece que grandes referências teóricas do campo estiveram muito próximas da política e alguns até exerceram mandatos eletivos: Maquiavel, Burke, Madison, Tocqueville, Weber, Huntington e, no caso brasileiro, Oliveira Vianna, Caio Prado Jr. e Fernando Henrique Cardoso fizeram suas escolhas teóricas de maneira muito coerente com sua militância política. Nem por isso se constituíram em reprodutores das ideologias de seus partidos políticos, até porque mesmo eles apresentam conflitos e pluralidade interna. Por outro lado, esta recusa desconhece que há um intercâmbio permanente entre o que se produz na academia e na sociedade. A universidade está longe de ser uma torre de marfim a produzir verdades que devem ser aceitas pelos mortais que não a habitam.
As Ciências Sociais produzem conhecimento e constroem verdades científicas de maneira semelhante às outras ciências, isto é, pelo conflito de ideias e paradigmas. As distintas abordagens teóricas orientam pesquisas empíricas que são amadurecidas em grupos de estudo e em sala de aula. Produzimos artigos que são avaliados por pareceristas externos e depois discutidos pela comunidade científica. As críticas se colocam às autoras e autores, que devem lidar com elas de maneira fundamentada e responsável. Se isso não ocorre, aquilo que produzem tende a ser relegado a segundo plano. Rever conceitos, apurar definições: é assim que a ciência avança.
Sobre o conceito de golpe: por muito tempo, a ciência política entendeu que o termo estava relacionado à utilização da força na substituição de grupos políticos na disputa pelo poder central, como nos "pronunciamentos” liderados por militares nos anos 1960 e 1970. No entanto, alguns de nossos colegas têm compreendido que processos recentes de destituição de presidentes - como em Honduras, Paraguai, Brasil e a tentativa recente de derrubada de Kuczynski no Peru - revelam que há necessidade de se atualizar o conceito.
Assim, a formação de maiorias parlamentares de ocasião, que se utilizam de questionamentos heterodoxos para desestabilizar e destituir presidentes - como no caso das “pedaladas” que sustentaram o impeachment de Dilma - pode justificar o uso do termo golpe. Esta, porém, é uma verdade provisória, que deve ser discutida e questionada por aqueles que dela discordam. O que não se pode é questionar a legitimidade acadêmica de propormos tal interpretação dos fatos, apenas porque possa coincidir com a interpretação de determinadas correntes políticas. Lembremo-nos que também aqueles que negam ter havido um golpe confluem com a interpretação de partidos políticos.