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Por Carlos Zacarias de Sena Júnior*
Gostaria de começar este texto completando este ditado, que diz que enquanto os cães ladram, a caravana passa. Infelizmente não é possível. Há alguns anos vimos percebendo que os elementos de ódio que crescem assustadoramente na sociedade brasileira ameaçam fugir ao controle. Não bastassem as formas agressivas com que grupos de haters atuam nas redes socais; não fossem suficientes os achaques a lideranças de esquerda em aeroportos e hospitais; não fossem ameaçadores o surgimento de grupos parafascistas atuando em plena luz do dia; não soasse alarmante tudo que está acontecendo no país desde o golpe de 2016, que já produziu seus primeiros cadáveres, o último deles o da vereadora Marielle Franco, do PSOL do Rio, executada com quatro tiros na cabeça, de 13 disparados em sua direção, que mataram, também, seu motorista Anderson Gomes. Caso isso não significasse muita coisa, o que não é o caso, os acontecimentos desta semana devem soar o alarme.
Foi em fins dos anos 1940, poucos anos depois de a humanidade derrotar a besta-fera do nazi-fascismo, que filósofo frankfurtiano, Theodor Adorno, desenvolveu uma escala para testar a dimensão autoritária em democracias liberais. Adorno se referia a essa “Escala F” a partir de testes desenvolvidos nos Estados Unidos que lhe permitiram identificar tendências presentes nos indivíduos, concluindo que mesmo no país de democracia aparentemente mais sólida, disposições autoritárias poderiam permitir o desenvolvimento de atitudes fascistas que, por sua vez, prenunciavam governos fascistas.
Quase 50 anos depois o filósofo Umberto Eco se referiu ao que denominou de “fascismo eterno” (Ur-fascismo). Para o autor de O nome da Rosa, manifestações fascistas poderiam ser identificadas através de algumas características, entre as quais, irracionalismo, elitismo, nacionalismo e frustração social de setores médios. Na conclusão de seu raciocínio, Eco chamava a atenção para a necessidade de ficarmos “atentos para que o sentido dessas palavras não seja esquecido de novo. O Ur-Fascismo ainda está ao nosso redor, às vezes em trajes civis. (...) O Ur-Fascismo pode voltar sob as vestes mais inocentes. Nosso dever é desmascará-lo e apontar o indicador para cada uma de suas novas formas — a cada dia, em cada lugar do mundo.”
Os acontecimentos desta semana em torno da passagem da caravana do ex-presidente Lula pelo sul do Brasil são o alerta mais evidente sobre algo que se passa no país. Grupos de extrema direita formaram barreiras, armados com porretes, chicotes, socos-ingleses e outros dispositivos para impedir a passagem da caravana. O ponto culminante dessa bárbara onda de ódio foram os tiros disparados contra os ônibus no interior do Paraná, que felizmente não atingiram ninguém. No dizer de Brecht, seria a cadela do fascismo, sempre no cio. Uma demonstração que estes cães que ladram, também mordem e precisam ser detidos.
* Professor do Departamento de História e do Programa de Pós-Graduação em História da Universidade Federal da Bahia (UFBA). Texto originalmente publicado no jornal A Tarde, no dia 30/3/18.