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Confesso: nutro inveja baixa, rasteira e mesquinha pelo ócio alheio. Invejo gente como Ruy Fausto e outros que, à falta de coisa melhor para fazer, decidem “polemizar” ou “desconstruir” os pressupostos “teóricos” do grande guru do Bolsonarismo, o primata que atende pelo nome de Olavo de Carvalho.
Nos dias que correm, pouco importa criticar os arrazoados e os vídeos de um sujeito que durante anos pertenceu ao limbo do lumpesinato intelectual, pelo absurdo de suas proposições. Vale mais investigar os motivos que levaram um tipo desse calibre – sem trocadilho – a figurar no proscênio da atividade política, com o poder de indicar nomes para o primeiro escalão do governo entrante.
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Aliás, a pergunta vale também para Messias Bolsonaro, que ao longo de quase três décadas não passava de personagem folclórico e mentalmente indigente, a destilar asneiras onde quer que estivesse. Como e por que o ex-capitão chegou lá? Como se fertilizou o terreno no qual viceja a extrema direita pátria?
Fracasso no passado
O radicalismo reacionário nunca teve grande acolhida pelo voto popular. A única vez em que setores assim disputaram de peito aberto uma eleição foi em 1955, com o integralista Plínio Salgado (PRP). Ele chegou em quarto lugar na corrida presidencial, com 8,28% dos votos. O eleito à época foi, como se sabe, Juscelino Kubitschek (PSD), com 35,68% dos sufrágios. A ele, se seguiram Juarez Távora (UDN), com 30, 27% e Adhemar de Barros (PSP), que alcançou 25,77% da decisão dos eleitores. Não havia segundo turno.
Plínio Salgado (1895-1975) estava anos luz à frente de Bolsonaro em termos intelectuais e políticos. Jornalista, romancista e ensaísta, teve participação lateral na Semana de Arte Moderna, em 1922, e arregimentou para o movimento integralista, a partir de 1932, jovens intelectuais como Gustavo Barroso, Miguel Reale, San Tiago Dantas, Câmara Cascudo, Neiva Moreira, Gofredo da Silva Teles, Gerardo Melo Mourão, Vinícius de Morais, Hélder Câmara, Ernâni Silva Bruno, José Lins do Rego, Roland Corbisier, Álvaro Lins, Seabra Fagundes, Abdias do Nascimento e outros. Eram figuras de nível muito mais elevado que Olavo de Carvalho, Janaína Pacchoal ou Joyce Hasselmann.
Cenário conturbado
As eleições presidenciais disputadas por Salgado também se deram em cenário conturbado. Aconteceram logo após a tentativa de golpe por parte da direita, que levou ao suicídio de Getúlio Vargas, em 1954. Não vai aqui nenhum paralelo histórico, arriscado em casos assim. Mas houve uma maré montante de denúncias de corrupção contra um governo progressista, que foi seguido pela desastrada gestão de João Café Filho (1954-55). O ex-jogador de futebol potiguar e conspirador contra Vargas assumiu a cadeira presidencial e chamou Eugenio Gudin, um alucinado liberal, para o ministério da Fazenda.
Gudin promoveu uma política de estabilização econômica baseada no corte das despesas públicas e na contenção da expansão monetária e do crédito, o que provocou uma crise em setores da indústria paulista. O desastre do governo Café Filho está intimamente ligado a essa opção econômica.
O PIB de 1955 para 1956 desabou de um crescimento de 8,8% para 2,9%, segundo o IBGE. Mas “O preço do café, em moeda nacional, cresceu quase cinco vezes entre 1948 e 1956”, assinala Delfim Netto em sua tese de livre docência “O problema do café no Brasil”, defendida em 1959. Entre 1954-55, houve uma queda expressiva nos preços, recuperada em seguida.
Com todas as dianteiras intelectuais e políticas, o resultado do integralismo foi pífio.
Surfando na crise
Apesar de suas limitações, Olavo de Carvalho e Bolsonaro – cada um à sua maneira – souberam surfar em um terreno de depressão aberta, a partir de 2015. Lembremos, o desemprego saltou de 4% em dezembro de 2014 para 11% em março de 2016 e o PIB desabou 8% nesses dois anos. Mas do que estatísticas, abriu-se aí uma fase de queda acentuada dos padrões de vida, da classe média para baixo, e um desencanto com a capacidade da política resolver algum problema objetivo na vida das pessoas.
Esse é o exame e o debate a serem feitos para que possamos compreender como e porque figuras tão desprezíveis em todos os sentidos se transformaram em condestáveis da República.
Não vale a pena – me parece – gastar tempo com a “obra carvalhiana” em si, a não ser que o ócio seja abundante.
(De uma conversa com Artur Araújo)
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