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[caption id="attachment_145288" align="alignnone" width="700"] Bolsonaro e General Augusto Heleno: o ministro do Gabinete de Segurança Institucional é alvo de denúncia de corrupção – Foto: Valter Campanato/Agência Brasil[/caption]
A escolha da equipe responsável por compor os ministérios de Jair Bolsonaro deixa sinais claros do que o brasileiro deve esperar a partir de 2019: um perfil de extremo conservadorismo, a presença maciça de militares, até mesmo em cargos estratégicos como articulação política, e grandes dificuldades no que se refere à política externa, o que deve prejudicar, inclusive, as relações comerciais com outros países.
O grande número de militares no primeiro escalão do governo tem uma explicação, na visão de Daniel Trevisan Samways, doutor em História e professor do Instituto Federal do Triângulo Mineiro (IFTM).
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“Bolsonaro defende que os ministros devem ter um perfil ‘técnico’. Para ele, esse perfil se adéqua aos militares. Ele adota, ao contrário do que prega, uma visão ideológica ao acreditar que militares são melhores que civis em alguns ministérios. Acaba por abraçar certo discurso que se consolidou no país de que os militares não são corruptos e que gerenciam melhor a coisa pública. No entanto, não são poucos os casos de corrupção envolvendo militares, alguns esbarram, inclusive, em Hamilton Mourão (vice de Bolsonaro) e Augusto Heleno (ministro do Gabinete de Segurança Institucional)”, relata.
Na opinião de Samways, esse avanço dos militares não se dá apenas no Executivo. “Basta ver o número de deputados eleitos com patente militar e também os assessores de Dias Toffoli, primeiro o general Fernando Azevedo e Silva, futuro ministro da Defesa, e agora o general-de-divisão da reserva Ajax Porto Pinheiro. Nesse sentido, cabe questionar o papel dos militares em todos os poderes da República e em que medida isso não seria uma demonstração de força”.
Para o historiador, não é nenhuma surpresa que as indicações para os ministérios sejam de perfis conservadores, como na Educação e nas Relações Exteriores, e pessoas mais ligadas ao mercado na Economia e no Banco Central. “Ele anunciava, durante a campanha, que traria nomes que agradassem ao setor financeiro e empresarial, e que também atacaria de frente o que ele entende por ‘ideologização’ de algumas áreas.”
[caption id="attachment_145289" align="alignnone" width="350"] Daniel Samways: “Merecem destaque os apoios da bancada evangélica e de Edir Macedo, além do setor militar. Todos esses apoios uma hora vão cobrar a fatura” – Foto: Arquivo Pessoal[/caption]
Segundo Samways, são indicações que tentam agradar aos segmentos que o apoiaram durante a campanha e viabilizaram sua eleição, pois dificilmente ele chegaria onde chegou sem o apoio de grandes nomes do empresariado. “O que ainda precisa ser apurado é em relação às denúncias de caixa dois, que possibilitaram viagens e eventos, mas também o pagamento de contratos de mensagens no WhatsApp. Também merecem destaque os apoios da bancada evangélica durante a campanha e o apoio de Edir Macedo na reta final, bem como do setor militar, principalmente o Exército. Todos esses apoios uma hora vão cobrar a fatura.”
Na avaliação de Gustavo Cezar Ribeiro, doutor em Ciência Política e Filosofia, além de professor do Instituto Federal do Triângulo Mineiro (IFTM), Bolsonaro está se cercando de fiéis que compuseram o núcleo ideológico e corporativo de sua campanha, com ressalvas, até aqui, para a reduzida participação de “emissários do mundo neopentecostal”.
“Ao contrário do que se poderia imaginar, o arco ministerial não tem apontado para a ampliação das relações políticas e partidárias do futuro governo. Mesmo se considerarmos a premissa do próprio futuro presidente, de que a administração tratará com bancadas, e não com partidos, a composição se mostra ainda incerta na produção de resultados práticos. O presidencialismo de coalizão brasileiro sempre levou em consideração as bancadas, que frequentemente se destacam dos partidos em votações específicas, mas nunca prescindiu da negociação com as agremiações oficiais, que guardam a prerrogativa da distribuição dos fundos e reservam, na proporção de suas bancadas, enorme poder de barganha. Mesmo quando há uma agremiação com forte presença na Esplanada, caso do DEM, a mesma não se traduz agora em um compromisso institucional do partido com o êxito do governo.”
Alinhamento
Para Ribeiro, do ponto de vista ideológico, a futura equipe ministerial está firmemente alinhada com Bolsonaro. “Ministérios-chave como Fazenda, Relações Exteriores e Educação serão ocupados por figuras cuja lealdade ao discurso bolsonarista é tão evidente quanto caricatural”.
O cientista político justifica sua análise: “Um ministro da Fazenda que diz que ‘tem que privatizar tudo’, um chanceler que se debate contra o Iluminismo em artigos de seu blog pessoal e um ministro da Educação que identifica o marxismo como maior ameaça à qualidade das escolas e universidades. Anunciando uma pretensão de montar um ministério de notáveis, Bolsonaro guindou à superfície figuras que, quando não absolutamente desconhecidas, jamais tiveram relevância no debate público nacional”.
[caption id="attachment_145290" align="alignnone" width="450"] Para cientista político, o general Carlos Alberto dos Santos Cruz, responsável pela secretaria de governo, “é um estranho no ninho” – Foto: Ministério da Defesa/Divulgação[/caption]
Em relação ao papel dos militares em pontos estratégicos do governo, como por exemplo na articulação política, que ficará a cargo do general Carlos Alberto dos Santos Cruz, Ribeiro observa que o núcleo que circunda as imediações do gabinete presidencial é particularmente problemático, pois, em tese, seriam os cargos que exigiriam mais experiência e trânsito no mundo parlamentar.
“Neste núcleo temos três figuras que estão longe de reunir estas características: Gustavo Bebbiano, com a secretaria-geral da Presidência, é talvez o mais adequado à tarefa; Onyx Lorenzoni, que na Casa Civil não teria a prerrogativa primária de articulação política, também tem a resistência dos congressistas; o general Carlos Alberto dos Santos Cruz, responsável pela secretaria de governo, cuja atribuição precípua é a articulação política, definitivamente é um estranho no ninho. Se negociar com o Congresso é a atribuição principal da pasta a ser ocupada pelo general, nada parece o credenciar à função”, destaca.
“Ideias estapafúrdias”
Um dos nomes mais polêmicos é o de Ernesto Araújo para o Ministério das Relações Exteriores. O diplomata tem ideias, no mínimo, bizarras a respeito de “marxismo cultural”, questões climáticas e relação com países de governos progressistas.
“Não tenho dúvidas de que o cenário imposto pode prejudicar o convívio do Brasil com outras nações, inclusive em relação a comércio exterior. A nomeação de alguém com ideias estapafúrdias em relação a vários assuntos e com essa crença de que um suposto ‘marxismo cultural’ domina todas as esferas pode prejudicar a imagem do país no exterior, mas também nossos negócios. A mudança da embaixada em Israel pode prejudicar todo o comércio com o mundo árabe e também colocar o Brasil na rota de grupos terroristas”, pensa Samways.
[caption id="attachment_145291" align="alignnone" width="450"] “A nova política que se anuncia para o Itamaraty parece saída de uma caixa empoeirada da Guerra Fria”, diz historiador, sobre Ernesto Araújo – Foto: Valter Campanato/Agência Brasil[/caption]
Para ele, a família Bolsonaro e alguns nomes do governo, como o próprio Ernesto Araújo, já deram sinais de um alinhamento com os Estados Unidos, o que pode prejudicar também as relações com a China, importantíssimo parceiro comercial.
“A nova política que se anuncia para o Itamaraty parece saída de uma caixa empoeirada da Guerra Fria, com a reelaboração de inimigos ‘ideológicos’, combate ao marxismo e outras bobagens mais atuais como o ‘globalismo’. Bolsonaro e o novo ministro ainda parecem que estão em campanha, com discursos demagógicos e agressivos, esquecendo que nosso comércio exterior está em risco. O alinhamento com os EUA, por outro lado, não é garantia de ganhos reais na economia e na diplomacia. Ao contrário, pode prejudicar nossa imagem lá fora e também nossos negócios”, analisa o historiador.
Ele acrescenta: “O mais curioso é que o próprio Ernesto Araújo de agora se contradiz com sua trajetória e produção dentro do Itamaraty no passado, quando elogiava a política externa de Lula e questionava as críticas que o presidente sofria por dar atenção ao Mercosul, à Venezuela, aos Brics. Para ele, em meados de 2008, não havia ‘ideologia’ no Itamaraty quando as relações se estreitavam com determinados países. Ou ele adotou esse discurso na época para ascender na carreira e agora demonstra seu lado verdadeiro, ou possui posições, no mínimo, muito confusas. O Brasil ainda pode sofrer restrições por conta da questão climática. Macron [Emmanuel, presidente da França] apontou isso esta semana na Argentina, afirmando que a Europa não deveria negociar com países que não se comprometessem com o meio ambiente”.
“Macarthismo” extemporâneo
Ribeiro não vê problemas com o fato de o futuro ministro da Educação, Ricardo Vélez Rodriguez ser colombiano. “No entanto, a questão central é que ele representa, sem mediações, uma corrente de pensamento que introduz uma ruptura com a trajetória do pensamento educacional brasileiro.”
[caption id="attachment_145292" align="alignnone" width="450"] Para Ribeiro, Vélez Rodriguez representa uma corrente de pensamento que introduz uma ruptura com a trajetória do pensamento educacional brasileiro – Foto: Reprodução/YouTube[/caption]
Outro aspecto negativo de sua nomeação, ressalta, diz respeito à sua dissintonia com os anseios da classe docente e suas principais demandas. “Num país em que o gasto por aluno é baixo e o desempenho dos estudantes em exames internacionais é fraco, o futuro ministro prioriza a caça a supostos comunistas travestidos de professores. Seu posicionamento favorável à ditadura implantada em 64 e seu 'macarthismo' extemporâneo denotam que também o MEC será comandado por um porta-voz da disposição antidemocrática, que vem acometendo parcelas significativas da população”, completa.
“República de Curitiba”
Outro aspecto a ser analisado com profundidade diz respeito aos cargos relacionados à Justiça. Bolsonaro escolheu várias pessoas originárias da famosa “República de Curitiba”, como Sérgio Moro para o Ministério da Justiça e Segurança Pública, entre outros, o que levanta mais do que suspeitas de uma espécie de “arranjo” entre o juiz que comandou a Lava Jato e o governo eleito.
[caption id="attachment_145293" align="alignnone" width="450"] Samways: “Moro atuou na reta final da eleição com a denúncia de Pallocci. Naquele momento, ele já sabia que seria ministro se Bolsonaro ganhasse” – Foto: Marcos Oliveira/Agência Senado[/caption]
“Acredito que as coisas foram acontecendo, meio que num grande desdobramento, e o grupo próximo a Moro enxergou na Lava Jato uma forma de afastar Lula da corrida presidencial em meados de 2016, quando o petista dava sinais de que disputaria a eleição e teria chances de ganhar. O principal objetivo da Lava Jato se tornou cercar Lula e o PT e impedir sua candidatura. Contaram com o amplo apoio da mídia e de uma parcela da sociedade, emplacando a narrativa do PT como o grande mal do país e Lula como o ‘chefe da quadrilha’, reflete Samways.
Em sua opinião, ainda não são claras as relações dos Estados Unidos com a operação brasileira. “O fato é que ela envolve uma das maiores empresas de petróleo do mundo, bem como uma das maiores reservas. Acreditar que os Estados Unidos não possuem nenhum interesse no desenrolar dessa história seria um pouco ingênuo. Moro acredita ser o portador de uma missão civilizadora contra a corrupção e que todos os meios valem nessa empreitada, tornando-se um verdadeiro fanático inquisidor, mesmo que com a fala mansa. Ele foi peça chave na prisão de Lula, mas também atuou na reta final da eleição com a denúncia de Pallocci. Naquele momento, ele já sabia que seria ministro se Bolsonaro ganhasse e talvez a possibilidade de mais poder tenha mexido com o ego. Um fanático egocêntrico e com poder é um grande perigo para a sociedade”, completa o historiador.
Popularidade
Em relação a Moro, Ribeiro diz que a grande novidade do ponto de vista do Ministério da Justiça é a incorporação do Conselho do Controle de Atividades Financeiras (Coaf), o que faz sentido do ponto de vista institucional, pois é instrumento que pode estar mais facilmente à disposição da Polícia Federal na investigação de crimes financeiros.
[caption id="attachment_145294" align="alignnone" width="350"] Gustavo Ribeiro: “Ao fagocitar um juiz com ares de paladino da justiça, Bolsonaro traz para si a sombra de um personagem que goza de mais popularidade do que ele” – Foto: Arquivo Pessoal[/caption]
“A outra novidade diz respeito àquele que ocupa o cargo máximo do ministério: o juiz recém-egresso da Lava Jato, operação que tem como máximo ‘feito’ a prisão do maior adversário político do atual presidente eleito. Trata-se de um futuro ministro que assume um cargo político que só lhe ficou disponível em decorrência da sua atuação pregressa como magistrado. A precariedade das nossas instituições e a degeneração do mundo político brasileiro chegou ao ponto de produzir este tipo de aberração”, avalia.
Outro aspecto a se considerar, segundo Ribeiro, é que esta nomeação é um complicador em potencial para o governo. “Ao fagocitar um juiz com fama de incorruptível e com ares de paladino da justiça, Bolsonaro traz para si a sombra de um personagem que goza de mais popularidade do que ele próprio. É o tipo de parceria que só pode funcionar em condições muito particulares”, finaliza.
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