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Para Frei Agostino, religioso de São Paulo que acompanhou ocupações de estudantes em escolas, a proposta de ensino religioso "confessional" aprovada para escolas públicas pelo STF representa um "fundamentalismo". Pela proposta aprovada, educadores terão a liberdade de promover a sua própria religião em sala de aula
Por Ivan Longo
O Supremo Tribunal Federal (STF) aprovou por 6 votos a 5, na quarta-feira (17), o ensino religioso de modelo confessional nas escolas públicas.
Através deste modelo, é permitido ao educador influenciar os alunos para promover a sua crença – o velho conhecido catecismo. Nesses moldes, é apresentada apenas a religião do professor e ele tem a liberdade “didática” para, na prática, “converter” os estudantes. Na maior parte das escolas brasileiras isso já acontece principalmente com as religiões cristãs – é o velho catecismo. Votaram nessa proposta, a vencedora, os ministros Alexandre de Moraes, Edson Fachin, Dias Toffoli, Ricardo Lewandowski, Gilmar Mendes e Cármen Lúcia.
A ação em julgamento foi apresentada pela procuradoria-geral da República, propondo que a obrigatoriedade nas escolas deveria ser a do ensino religioso no modelo “não confessional”, em que o educador limita-se à expor as diferentes crenças – sem excluir nenhuma, indo do catolicismo ao ateísmo ou ao agnosticismo -, suas histórias, particularidades e dimensões sociais. Votaram neste modelo o relator, Luís Roberto Barroso e os ministros Rosa Weber, Luiz Fux, Marco Aurélio Mello e Celso de Mello.
A proposta aprovada pelo STF foi criticada por inúmeros setores da sociedade, indo do acadêmico ao próprio religioso. Um dos que estão na esfera religiosa e fazem essa crítica é Frei Agostino. Ligado à Comunidade Voz dos Pobres, que atua em ações de auxílio e solidariedade a moradores de rua em São Paulo, Agostino conhece de perto a realidade de escolas públicas e estudantes. Sempre ligado à causas sociais, ele foi um dos principais apoiadores e intermediadores das ocupações estudantis que aconteceram na capital paulista no ano passado.
À Fórum, Agostino disse estar preocupado com a aprovação do ensino religioso confessional pois, para ele, a proposta vai na contramão do estado laico que deve prezar pela diversidade religiosa.
"Uma coisa é quando o aluno é matriculado em uma escola confessional e é sabido que existe um ensino confessional, outra coisa é o ensino religioso confessional em uma escola pública, em um estado laico, com uma diversidade social, de valores, econômica e religiosa. Isso é destoante", afirmou.
De acordo com o religioso, a aprovação da proposta no STF "não é uma demanda da sociedade religiosa e acadêmica, é uma tentativa de se impor a moral".
Confira, abaixo, a íntegra da entrevista.
Fórum - Frei Agostino, a proposta aprovada ontem no STF libera o ensino religioso confessional em escolas públicas. Por esse modelo, o educador tem a liberdade de apresentar apenas a sua crença e seus meios para promove-la e influenciar os estudantes. Esse tipo de aula não prevê que o educador apresente outras religiões ou crenças. Como religioso, qual sua opinião a respeito?
Frei Agostino - Uma coisa é quando o aluno é matriculado em uma escola confessional e é sabido que existe um ensino confessional, outra coisa é o ensino religioso confessional em uma escola pública, em um estado laico, com uma diversidade social, de valores, econômica e religiosa. Isso é destoante. Vejo que a escola deve ser lugar do saber. Então, o “ensino religioso” deve ser de forma saber, e não um fundamentalismo. Não gosto da proposta, ela é repleta de discordância e dissonância social em um cenário atual caótico.
Me preocupa o que é apresentado pelo STF, um esquema pedagógico que será aplicado com base em uma só crença. A religião tem que ser apresentada em um esquema como nas matérias de Filosofia, Historia e Geografia. A religião tem toda uma sua estrutura organizada: tradição, historia, moral e ética, fundamentos antropológicos e tudo que se tem em outras disciplinas. Se é "ensino", deve ser regido e estruturado pela Lei de Diretrizes e Bases da Educação (LDB).
Vejo também que a pessoa que deve ministrar o “ensino religioso” deva ser da teologia. Para ensinar o “ensino religioso”, a pessoa não pode ter a liberdade de ensinar só uma determinada crença em específico, o “ensino religioso”, como o nome já diz, tem que carregar as várias multiplicidades religiosas. Como já relatei, tem que ter uma base histórica para ensinar. O educador extrapola isso ao expor de forma abusiva e errônea a sua religião sem se dar o devido embasamento. Ele, nesses moldes, não estará ensinando mas, sim, sendo fundamentalista.
Fórum - Sabemos que na maior parte das escolas do Brasil a religião que predomina nas escolas é a católica. Com o modelo aprovado, que dá a liberdade ao educador de apresentar e convencer os alunos apenas sobre sua crença, acha que há o risco de se fomentar mais intolerância religiosa?
Frei Agostino - Vemos e entendemos que a predominância é católica, por isso temos que embasar bem o “ensino religioso” para que ele não seja fundamentalista. Já existem graves consequências sociais relacionadas a isso e se isso for fundamentado no ensino público pode ser um caos.
Quando se fala de um “ensino religioso” em escola públicas, se o estado e laico e deve promover as religiões, como fazer nesse caso? Haverá disparidades, temos no Brasil registradas 140 religiões. Tem que ser um ensino com uma base curricular, não jogada ao léu.
Fórum - Pessoas que são contrárias a esse tipo de modelo aprovado no STF defendem, normalmente, o ensino religioso não confessional, que não se propõe a influenciar o aluno, mas apenas apresentar as diferentes religiões do mundo, suas histórias e seu contexto social. De que forma o senhor acredita que o ensino religioso deva ser abordado nas escolas?
Frei Agostino - A proposta do STF é problemática, pois não é uma demanda da sociedade religiosa e acadêmica, é uma tentativa de se impor a moral!
Não se pode falar de ensino sem que exista uma conversa com a sociedade. Precisa ter fundamento Vendo a LDB, ela por si só já dá essa liberdade do “ensino religioso” nas escolas. A ação do STF só vem jogar mais gasolina e perturba o que já é determinado por diretrizes com fundamentos.
A escola é campo de discurso e de fomentar o saber, mas sem infringir na liberdade do educando e sem impor o ensinamento forçado, e sem ter uma única vertente. A escola tem que deixar uma abertura ao livre conhecimento e ao discurso. Precisamos definir bem o que se pretende com esse termo, "ensino religioso", temos que deixar bem claro o que se pretende quando se diz “ensino religioso".