"A base governista aumentará a chantagem sobre Temer", diz cientista político

Segundo avaliação de Benedito Tadeu César, os parlamentares que sustentam o governo são fisiológicos e oportunistas e devem aumentar o preço do apoio ao peemedebista.

2014.10.06 - Porto Alegre/RS/Brasil - Cientista político Benedito Tadeu César. | Foto: Ramiro Furquim/Sul21.com.br
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Segundo avaliação de Benedito Tadeu César, os parlamentares que sustentam o governo são fisiológicos e oportunistas e devem aumentar o preço do apoio ao peemedebista. Por Lucas Vasques Para o cientista político Benedito Tadeu César, a votação da madrugada desta quinta-feira (31), na qual o governo Michel Temer não conseguiu aprovar a ampliação do déficit fiscal para R$ 159 bilhões em 2018, decorreu mais de um vacilo da base governista e do empenho da oposição do que de uma fadiga no apoio a Temer. "A base de Temer é fisiológica e oportunista. Com o desgaste crescente do governo, que não consegue entregar o que prometeu, ou seja, com a manutenção da estagnação econômica e, ainda, com a eminência da apresentação de uma nova denúncia contra Temer por parte de Janot, a base governista aumentará a chantagem, aumentando o preço do apoio. Penso que a base está sinalizando neste sentido". Benedito é mestre em antropologia social e doutor em ciências sociais. Professor aposentado e especialista em análise política, comportamento eleitoral e partidos políticos. Atualmente integra as coordenações do Comitê em Defesa da Democracia e do Estado Democrático de Direito e do Comitê Gaúcho do Projeto Brasil-Nação. Fórum - O governo atual não conseguiu aprovar a ampliação do déficit fiscal para 2018. Na sua avaliação, esse fato é um sinal de que a base de Michel Temer no Congresso Nacional está dando sinais de fadiga? Benedito Tadeu César - Acredito que a votação da madrugada de quinta-feira (31) decorreu mais de um vacilo da base governista e do empenho da oposição do que de uma fadiga no apoio a Temer. A base de Temer é fisiológica e oportunista. Com o desgaste crescente do governo, que não consegue entregar o que prometeu, ou seja, com a manutenção da estagnação econômica e, ainda, com a eminência da apresentação de uma nova denúncia contra Temer por parte de Janot, a base governista aumentará a chantagem, aumentando o preço do apoio. Penso que a base está sinalizando neste sentido, indicando que o preço do apoio aumentou. Fórum - Quais as razões para essa suposta fraqueza, uma vez que Temer distribuiu emendas parlamentares para escapar do processo de impeachment e, aparentemente, cooptou grande número de parlamentares? Benedito Tadeu César - Acrescento ao aumento do preço da chantagem também o fato de que a base governista está preocupada com sua própria reeleição. Com a proximidade das eleições de 2018, os deputados e senadores governistas ficam cada vez mais preocupados com a sua própria reeleição do que com a sustentação de um governo impopular como o de Temer. Isso, aliás, faz com que o preço do apoio se eleve ainda mais. Fórum - Analisando sob uma perspectiva mais ampla, o senhor acredita que o governo Temer, apesar de ter evitado o impedimento, mostra desgastes que ainda podem levá-lo a não finalizar o mandato, em uma nova denúncia da Procuradoria-Geral da República? Benedito Tadeu César - Acredito que a não autorização de investigação de Temer em decorrência de uma nova denúncia de Janot depende, mais uma vez, da quantidade e do valor das emendas que ele liberará aos parlamentares da sua base. Dificilmente Temer não terminará o mandato, pois o tal do "mercado" não tem ninguém com mais cacife do que ele para colocar no seu lugar. Meirelles, que é o presidente de fato e que representa os interesses do mercado financeiro, não tem traquejo para o trato com a base e não saberia conduzir as negociatas com a maestria que Temer e sua troupe detêm. A deposição de Temer traria, portanto, mais instabilidade econômica e atrapalharia os negócios do mercado financeiro. Além disso, nada garante que o STF, dominado por Gilmar Mendes e seus acólitos, vá fundo na investigação de Temer, caso a autorização acabe passando no Congresso Nacional. As próprias ruas não têm dado sinais de reação efetiva. Sem uma imensa pressão popular, não acredito que seja possível haver qualquer abalo significativo no atual governo. O trabalho da grande mídia corporativa no sentido de construir o descrédito com a política e, principalmente, com os políticos e os partidos políticos de esquerda foi muito grande e eficiente. As pessoas estão atônitas e apáticas, pois lhes falta uma bandeira, uma liderança e uma estrutura político partidária e social capaz de organizar e dar direção a uma forte reação popular. Foram estes os motivos que fizeram com que não tenha vingado, até aqui pelo menos, a campanha das Diretas Já e da antecipação das eleições. Por meio das instituições da República, todas mancomunadas de alguma forma e em algum nível com o golpe, não me parece que seja possível ocorrer a interrupção do mandato de Temer. Fórum - O senhor acredita que o governo ainda encontrará força para conseguir aprovar a reforma da Previdência? Benedito Tadeu César - Parece-me que há uma grande chance de a reforma da Previdência não ser aprovada, pois ela é muito impopular. As pessoas comuns entenderam mais rapidamente os efeito nefastos da reforma da Previdência, atualmente proposta, do que os que advirão com a reforma trabalhista e, por esse motivo, reagiram. A base parlamentar está preocupada antes de tudo com sua reeleição, como já afirmei. Assim, quanto mais se aproxima o final do atual mandato e mais próximo fica o momento em que os parlamentares terão que buscar o voto dos seus eleitores, mais difícil fica a aprovação da reforma da Previdência. Todo cuidado é pouco, no entanto, pois a ameça não está afastada. Fórum - Em face desse cenário no Congresso, como projeta os próximos passos do governo Temer? Benedito Tadeu César - Penso que Temer tentará acelerar as privatizações e a entrega das reservas naturais do país às grandes corporações internacionais, quase todas controladas por grandes financeiras. Talvez seja mais fácil conseguir a aprovação das privatizações e da modificação nas leis de terras e de exploração mineral do que aprovar a reforma da Previdência. Isso se deve ao fato de que o cidadão comum não se sente atingido prejudicialmente com essas medidas. Pelo contrário, a grande mídia corporativa consegue fazê-los crer que as empresas públicas são cabides de empregos e nefastas ao país. Temer e sua base política, tanto parlamentar quanto aqueles setores financeiros que os colocaram no poder, tentarão impedir que Lula ou alguém indicado por ele, no caso do seu impedimento em decorrência da condenação em 2ª Instância, seja eleito presidente da República. Depois de tudo o que fizeram e do desmonte que estão promovendo, não correrão o risco de deixar o poder, decorridos apenas dois anos, e ver tudo começar a ser revertido. Por esse motivo, não hesitarão um instante em aprofundar o golpe, seja aprovando a toque de caixa o sistema parlamentarista, seja encontrando algum meio para suspender ou adiar a eleição presidencial de 2018. Esta, parece-me, é a maior prioridade de Temer e de todos os que, de alguma forma, se envolveram com o golpe, sejam parlamentares, empresários, grandes investidores, da grande mídia corporativa ou de parcela significativa dos integrantes do Ministério Público e do Judiciário. O cenário que vivemos hoje me lembra o de 1965, quando muitos ainda acreditavam nas intenções democráticas dos militares que haviam dado o golpe e tomado o poder e pensavam que as eleições presidenciais daquele ano seriam realizadas. O que ocorreu foi a edição do Ato Institucional nº 2, que prorrogou o mandato de Castelo Branco até 1966, extinguiu os partidos políticos e impôs a eleições indireta do seu sucessor. Cabe, portanto, ao campo democrático popular se organizar e se mobilizar, desde já, em torno de uma grande aliança democrática para resistir e impedir que novas etapas do golpe sejam desfechadas. Foto: Ramiro Furquim/Arquivo Pessoal