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"A esquerda não é una, ela é plural e diversa, e deve fazer parte dos propósitos da esquerda reconhecer e estimular sua própria diversidade, abrir-se para o novo de forma cotidiana, exercitar a crítica e autocrítica, constituindo-se em organizações generosas capazes de efetuar profundos processos de composição sobre bases estratégicas e multidiferenciadas em suas direções". Leia mais no artigo de Ademário Costa
Por Ademário Costa*
A necessidade de resistência e combate ao golpe em curso, a ditadura midiática e jurídica, a violência da intervenção estrangeira e a destruição continua de direitos e espaços democráticos no Brasil forjou uma necessária e fundamental aliança partidária e social de caráter popular calcada na mobilização da sociedade. Existe atualmente, e está se ampliando entre as forças de esquerda, uma ampla unidade em torno de um plano politico de combate de curto e médio prazo. No VI Congresso do PT este plano foi aprovado com uma unidade interna que não se via desde a década de 80.
Fora Temer, antecipação das eleições gerais e diretas já, nenhum voto no colégio eleitoral, contra as reformas e nenhum direito a menos, Lula presidente e constituinte soberana como plataforma imediata de um futuro governo. Essas posições forjaram a unidade interna para a aprovação de um plano de lutas e consolidam a compreensão da regressão da via democrática e da necessidade de lutas sociais de massas para retomar o patamar mínimo da democracia burguesa no Brasil.
Essa unidade de lutas foi construída nos movimentos de resistência ao golpe, na luta pelo fora Temer e na resistência contra as reformas. Fazem parte deste processo as frentes Brasil Popular e Povo Sem Medo. Esta unidade representou na prática o deslocamento dos partidos de esquerda e de centro-esquerda da posição de conciliação de classes, vigente durante os nossos governos, para uma posição de resistência e enfretamento em blocos de classe distintos.
Esse processo possibilitou o reencontro de pautas, métodos e agenda politica entre as direções do PT, da CUT, UNE, MST, PCdoB, MMM, MNU, CMP, Pastorais Sociais e uma pluralidade de movimentos e lutas sociais. Devemos lembrar que em nenhum momento, entre 2003 e o golpe, foi possível acontecer tal encontro de posições e convergências unitárias entre os partidos e movimentos sociais que fazem parte da base da frente popular original que historicamente sustentou as candidaturas Lula e as lutas travadas até a nossa primeira vitória presidencial.
Esse movimento de unidade também aconteceu para dentro da base original do próprio PT, houve um reencontro entre a corrente dirigente e suas principais bases sociais na CUT e no catolicismo de esquerda. Durante todo o período “Lula” houve tensionamentos duros em razão da opção pelo desenvolvimentismo capitalista de cunho estatal, que entre outras ações originou projetos como Belo Monte, a transposição do Rio São Francisco e a reforma da previdência. Foram fatos marcantes deste processo: a dissidência de 2003 que originou a formação do PSOL, a saída do Frei Beto do governo petista, a greve de fome do Bispo de Barra, o manifesto da maioria da bancada de deputados federais e da direção da CUT em oposição as opções da maioria da direção do PT, expressas no V congresso do Partido dos Trabalhadores no ano de 2015 em Salvador .
Houve um reencontro também com o MST, que passou a maior parte dos governos do PT em posição de aliança incomoda, criticando duramente a politica agrária, econômica e até mesmo a política social destes governos. Durante este período este movimento não só teve a sua capacidade de mobilização reduzida como também procurou constituir alternativas de organização por fora e por dentro do PT, em que pudesse reverberar as críticas e forjar braços partidários e sociais alternativos para se contrapor e sobreviver aos sinais de aprofundamento da politica de conciliação executada no período.
Os partidos à esquerda do PT, tendo como expoente o PSOL, também realizaram um deslocamento politico em direção à este plano unitário de lutas, consolidado em ações das centrais sindicais, dos movimentos estudantis, das lutas identitárias e setoriais, consolidado em marchas, greves, ações continuas de massa que durante o ano de 2017 sinalizam uma virada da capacidade de enfrentamento e mobilizam retomando as ruas e praças como espaço privilegiado da esquerda.
É salutar a existência de um processo tão rico de unidade politica em meio à diversidade e pluralidade dos movimentos e organizações sociais e partidárias que organizam a esquerda, no entanto, é preciso diferenciar unidade de unicidade! O PT enquanto experiência concreta de organização espontânea da vanguarda da classe trabalhadora, na forma partido, já nasce rejeitando as métodos tradicionais vigentes de organizações de esquerda, das ideias de partido único, do socialismo em um só país ou partido só de vanguarda. Questões essas, já superadas na gênese e no seu processo de construção, que a partir do impulso das lutas operárias agregou a infinita pluralidade politica de movimentos e organizações, o que fez com que de forma refinada, o partido aprendesse à construir unidade na diversidade, possibilitando a constituição de dezenas de instrumentos da chamada democracia interna.
O momento atual de consolidação da ampla unidade em torno do plano politico de combate, de curto e médio prazo, não dá o direito às direções majoritárias dos movimentos e partidos envolvidos nessas lutas e mobilizações de constituir, no plano interno, um movimento de unicidade em torno de chapas únicas ou chapões para a composição das direções.
Isto não corresponde às diferenças de balanço que existem entre os diversos agrupamentos e correntes dos movimentos sociais acerca da experiência concreta dos governos populares, de seus limites e possibilidades, dos objetivos estratégicos e das alianças que estes mesmos grupos executaram uma vez a frente da experiência histórica da direção de nossos governos. Balanço esse, até hoje inconcluso e que devera ter continuidade dentro dos limites que a situação política nos impõe.
Não corresponde aos diferentes métodos de organização, as diferentes formas de construção das entidades e partidos, aos enfretamentos que foram e continuarão à ser feitos contra a resistência interna às mudanças através de medidas burocráticas que não raramente são levantadas pelas direções para barrar o crescimento de posições que ameace a manutenção das atuais maiorias.
Não corresponde também ao necessário debate estratégico sobre a profundidade das transformações sociais que defendemos para o Brasil, o lugar da estratégia socialista na orientação dos grupos, qual a política de alianças que defenderemos para as eleições de 2018, se a mesma terá caráter classista ou se dará em uma perspectiva mais ampla em busca de um possível centro e direita partidária.
A unidade em torno da candidatura Lula aponta que teremos acordo em combater o modelo capitalista vigente e a sua forma política de supressão democrática, mas não é suficiente para explicitar qual o alcance e o conteúdo das reformas, modelo de desenvolvimento e política econômica que defenderemos em um possível retorno da esquerda ao governo central com ou sem Lula.
Qual lugar terá a reforma agrária, a reforma urbana, sanitária, fiscal e educacional? Em que patamar estará situado os direitos da comunidade negra, LGBT, das mulheres e da juventude? Qual o nível de concessões e recuos será executado em prol de uma nova governabilidade que envolva os mesmos setores que deram o golpe como, por exemplo, o rebaixamento aos ditames do monopólio dos meios de comunicação e da concentração de riquezas que foram cláusulas pétreas durante os nossos governos?
Em que profundidade os movimentos, entidades e partidos serão organizados, preparadas e modificadas para que possam revolucionar a si próprios no caminho de poderem se colocar à altura da gigantesca tarefa de derrotar a aliança burguesa que devora o nosso país? Entre os nossos desafios está, inclusive, a realidade de que parte destas transformações passa pela mudança das próprias direções.
Por tudo isso, que não pode ser respondido agora, mas precisa ser aprofundado no calor da luta política enquanto executamos e lutamos juntos pelo restabelecimento da democracia e da volta da classe trabalhadora ao governo central do Brasil é que precisamos rejeitar o perigoso movimento artificial que confunde de forma propositada unidade com unicidade.
A esquerda não é una, ela é plural e diversa, e deve fazer parte dos propósitos da esquerda reconhecer e estimular sua própria diversidade, abrir-se para o novo de forma cotidiana, exercitar a crítica e autocrítica, constituindo-se em organizações generosas capazes de efetuar profundos processos de composição sobre bases estratégicas e multidiferenciadas em suas direções.
Nesse sentido, a manutenção da candidatura de Lindbergh Farias para a presidência do PT, seus 40% de votos e a liderança de Gleisi Hoffmann em direção da ampliação do espaço politico no interior do PT, são exemplos de uma postura avançada e necessária, sabedora da necessidade de garantir dentro da esquerda e suas manifestações organizativas. É necessário preservar a pluralidade da esquerda, somos muitos e precisamos ser cada vez mais!
*Ademário Costa é cientista social e militante do Partido dos Trabalhadores