Murilo Cleto: Bolsonaro só pode ser combatido se os seus eleitores forem levados a sério

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"O que o brasileiro precisa, e isso todas as pesquisas indicam, é de menos corrupção, mais segurança e menos desemprego. É mirando nisso que um candidato à presidência da república precisa ser encarado. Não que os outros temas não importem. Mas é indiscutível a centralidade dos três primeiros. E a grande verdade é que Bolsonaro não tem rigorosamente nada pra oferecer nesse sentido" Por Murilo Cleto, em seu Facebook A cada nova pesquisa divulgada eu confirmo a impressão de que a candidatura de Jair Bolsonaro só pode ser combatida se os seus eleitores forem levados a sério. E isso até por uma questão matemática. Segundo o último Datafolha, 17% do eleitorado brasileiro, algo como 24 milhões e meio de cidadãos, depositariam hoje o voto em Jair Bolsonaro já no 1º turno. Num cenário sem Lula a margem sobe para 30 milhões de pessoas, 21%. Num eventual 2º turno com Lula, Bolsonaro chegaria a 33% – e naturalmente seria derrotado. Mas com Marina Silva, por exemplo, ultrapassa a marca de 66 milhões de votos com seus extraordinários 46%. Com todo respeito à esquerda que trata fascista “na ponta do fuzil” e tal, é muita gente pra meter porrada. Então cada voto, quer ela queira, quer não, vale do mesmo jeito. Outro detalhe importante a não se perder de vista é que a curva de Bolsonaro, em todos os cenários de 1º e 2º turno, praticamente só sobe. Bolsonaro também é o político mais popular nas redes sociais – para onde tem migrado boa parte do debate público no Brasil – e indiscutivelmente o que mais conta com uma militância orgânica organizada. Mesmo admitindo que a escolha de um candidato não se dá exclusivamente por critérios objetivos, é possível traçar o perfil de um eleitor do Bolsonaro tanto a partir do que indica o próprio Datafolha (jovem do sexo masculino com ensino superior e renda acima de 10 salários mínimos) quanto a partir de uma pesquisa qualitativa realizada no meio do ano pela empresa de marketing político Idea Big Data. Segundo o relatório do estudo, que mesclou eleitores das classes A e B entre 21 e 55 anos, vota em Bolsonaro quem se sente 1) envergonhado do país, sobretudo graças aos escândalos de corrupção; e 2) ludibriado pelas instituições. A essas duas carências, Bolsonaro responde, segundo o grupo avaliado, com duas qualidades: 1) nunca ter aparecido num único escândalo sequer de corrupção, destoando, portanto, dos políticos tradicionais – ao mesmo tempo em que não pode ser considerado exatamente um aventureiro, já que está no Congresso desde 1991 (o argumento de que é improdutivo, afinal em 27 anos de legislatura só conseguiu emplacar dois projetos de lei, costuma ser rápida e eficazmente anulado por uma combinação entre os itens 1 e 2 do parágrafo acima); e 2) tem o posicionamento firme, principalmente quando o assunto é segurança pública. Levar a sério os eleitores de Bolsonaro implica reconhecer que corrupção e (falta de) segurança pública são problemas reais que afetam o país. E, ainda, que o seu debate foi vencido quase por W.O pela direita. Bolsonaro, como um de seus representantes, precisa responder: o que efetivamente propõe como solução pra eles? Com o afunilamento da corrida eleitoral, é de se esperar que jornalistas, influenciadores digitais e eleitores o pressionem neste sentido. E isso, por incrível que pareça, pode contribuir pra desidratar sua candidatura. Então o que eu estou propondo é “dar palanque” pro único presidenciável realmente fascista no Brasil? Sim. É isso mesmo. Mas com um detalhe – talvez um pouco mais que isso – importante: Bolsonaro está acostumado a cravar posições ultraconservadoras em pautas morais que, embora mobilizem muito na internet e estejam influenciando cada vez mais o debate público brasileiro, jamais atrairiam 60 milhões de votos. O que o brasileiro precisa, e isso todas as pesquisas indicam, é de menos corrupção, mais segurança e menos desemprego. É mirando nisso que um candidato à presidência da república precisa ser encarado. Não que os outros temas não importem, ao menos pra mim. Mas é indiscutível a centralidade dos três primeiros. E a grande verdade é que Bolsonaro não tem rigorosamente nada pra oferecer nesse sentido. Primeiro porque não dá nem pra chamar de propostas as suas posições. Slogans como “penas mais longas”, “prisão perpétua” e “castração química” só se realizariam – à exceção talvez do último, que esbarraria no judiciário – através do poder legislativo. Então que diabos estaria fazendo Bolsonaro ao se candidatar ao poder executivo? Como reformar o código penal do executivo se – aí sim cabe a pergunta – nem do próprio legislativo consegue emplacar maioria. Isso, claro, sem ceder ao que ele mesmo costuma chamar de “aparelhamento do Estado” – embora Bolsonaro tenha empregado ex-mulher e parentes dela como assessores. Responder “como” faria é, para um presidenciável, tão importante como responder “o quê”. Quanto à segurança pública, a situação fica ainda mais bizarra. Bolsonaro já declarou que precisa armar mais a polícia. Legal. Questionável, mas legal. E o que mais? Quem vota nele pra presidente sabe que segurança pública é uma responsabilidade do executivo estadual? O que Bolsonaro pretende fazer pra intervir, se quiser intervir? Reformar o pacto federativo? Legítimo, do jogo. Mas como? Quais impostos realocar pra financiar o novo ente responsável por ela? Bolsonaro nunca respondeu. E também porque ninguém nunca perguntou. Mas não há evidência tão retumbante da indigência completa de Bolsonaro como candidato do que a registrada pelo programa Marina Godoy Entrevista, da RedeTV!. Nele Godoy repassa a pergunta de um espectador que deseja saber o que o entrevistado acha sobre o tripé macroeconômico. Visivelmente constrangido, Bolsonaro sorri e, depois de pensar um pouco, responde: “olha só, quem vai falar de economia por mim é a minha equipe econômica”. Questionado sobre quais seriam os nomes dessa equipe econômica, o presidenciável se recusa a responder. Então é isso: Bolsonaro é um candidato que, assim como se espera de todos os outros, deve conduzir o país rumo à recuperação econômica. Mas não diz o que vai fazer, e muito menos como. O episódio trouxe tanto constrangimento que dias depois o professor de economia básica Adolfo Sachsida foi anunciado como seu conselheiro. E isso só foi possível porque uma jornalista de porte, num programa de TV aberta, tratou Bolsonaro de fato como presidenciável e não como comentarista de portal – e isso é levar o seu eleitor a sério. A despeito do projeto de transformá-lo no principal candidato do mercado financeiro, Jair Bolsonaro já votou bastante com o PT em pautas econômicas como deputado. Vale o questionamento direto e reto: mudou de ideia? Seja qual for a resposta, por quê? A pergunta é importante porque a polarização que cinde o país ao meio quando o assunto são as pautas morais quase se desfaz quando se trata do papel do Estado. Por exemplo, 97% e 96% dos manifestantes pró-impeachment que estiveram na avenida Paulista em agosto de 2015 concordavam que a saúde deveria ser, respectivamente, universal e gratuita. O índice sobe pra 98% e 97% quando se trata de educação. Educação e saúde, claro, são exemplos extremos e muito sensíveis desde junho de 2013, mas pra ser o candidato ultraliberal que o mercado quer, Bolsonaro vai ter coragem de se posicionar contra as ruas? Por incrível que pareça, até agora ninguém perguntou. Se for apertado, Bolsonaro também vai precisar sair de cima do muro quanto a outras pautas bastante nebulosas e que ajudaram a mergulhar a popularidade do governo Temer na lama. Por exemplo, o deputado carioca se absteve na votação que decidiu pela terceirização. Questionado, disse que enxergava bons argumentos de um lado e de outro. Mas não disse quais e ficou por isso mesmo. O medo de “levar porrada”, segundo ele mesmo, ajudou a orientar o seu comportamento nulo. Sobre a previdência, que o Planalto já quase desistiu de votar, diz que “precisamos mudar algumas regras”. Mas também não disse quais, se concorda com a atual versão do projeto ou com anteriores. Nenhuma palavra sobre um ponto bastante controverso, que é a idade mínima. Sua declaração mais recente sobre a reforma foi em outubro nos EUA: "Dá para sair, devagar, dá. Não adianta o pré-candidato aqui dizer que vai fazer. Não vai fazer, a verdade acima de tudo. Pode até agradar os senhores aqui, mas ele vai ter dificuldade um ou dois anos depois ao ver que não fizemos". Pois é. Levar a sério os eleitores de Bolsonaro implica também saber que eles mesmos não o levam tão a sério assim quando o assunto são as declarações que a esquerda progressista repudia. Por exemplo, absolutamente nenhum dos consultados pela pesquisa do Idea Big Data disse que torturaria o filho caso fosse flagrado fumando maconha – na verdade a maioria riu dessa alternativa. Anos atrás Bolsonaro disse que o faria. O mesmo Idea Big Data noticiou pesquisa – dessa vez quantitativa – no mês passado que indica que os brasileiros não são tão conservadores quanto se crê. 62,4%, por exemplo, concordam que direitos humanos devem valer para todos, inclusive bandidos. 57,2% são favoráveis às políticas de cotas raciais. 65,5% não se opõem ao casamento entre pessoas do mesmo sexo e 62,4% defendem o seu direito de adotar. O que os números permitem concluir até agora, ainda que em forma de mera hipótese, é que Bolsonaro tornou-se o principal nome de oposição ao lulismo apesar das posições ultraconservadoras e não necessariamente por causa delas. Sua principal mola propulsora não é outra coisa senão a crise político-econômica. E seus eleitores, se levados a sério por ele tanto quanto são aqui, precisam saber: qual é a solução do “mito” pra ela? Aécio quase levou a presidência, em novembro de 2014, com a seguinte, vá lá, proposta, pra quem não se lembra: “tirar o PT do poder”. E deu no que deu. Dar palanque pro Bolsonaro hoje, mas como presidenciável e não essa metralhadora giratória de asneiras, pode, na melhor das hipóteses, descortinar de uma vez por todas a farsa e obrigá-lo a inventar uma desculpa pra não concorrer. É, parece otimista demais. Noutra hipótese, mais realista, a sua base – hoje coesa – pode rachar. Os intervencionistas, por exemplo, já têm os dois pés atrás com o deputado, que, segundo eles, nunca declarou apoio à ruptura institucional através das forças armadas. Na pior das hipóteses, Bolsonaro é eleito. Mas, pelo menos, com as cartas na mesa. Como tem que ser. Como é legítimo numa democracia – a mesma que o deputado tanto despreza.

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