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No "Xadrez da delação que ficou parada no ar" mostramos um pouco da técnica de extrair informações de notícias esparsas e de explorar as diversas nuances da mentira. Tudo em torno da decisão da PGR de não mais aceitar a delação de Léo Pinheiro, da OAS, que poderia implicar José Serra e Aécio Neves
Por Luis Nassif, no Jornal GGN
Peça 1 - sobre as diversas nuances da mentira
Dizia Santo Agostinho: “Mente aquele que, pensando de determinado modo, exprime algo diferente por palavras ou sinais”. Por esse prisma, a Lava Jato mente costumeiramente. Seria um pecado.
Provavelmente, em seus cursos nos Estados Unidos, os bravos procuradores deixaram se inebriar pelo pragmatismo das civilizações luteranas. Dizia Lutero: “Uma boa e sólida mentira para o bem comum e para a Igreja inteira, uma mentira em caso de necessidade, uma mentira útil, uma mentira para prestar serviço não seria contrária a Deus”.
Como ficaria, então, o desafio de encontrar a verdade? Só conseguindo decifrar as intenções da mentira. Como dizia Golbery, a mentira é mais rica que a verdade, porque permite extrair muitas informações adicionais sobre os objetivos do mentiroso.
No "Xadrez da delação que ficou parada no ar" (http://migre.me/uLfYT) mostramos um pouco da técnica de extrair informações de notícias esparsas e de explorar as diversas nuances da mentira. Tudo em torno da decisão da PGR de não mais aceitar a delação de Léo Pinheiro, da OAS, que poderia implicar José Serra e Aécio Neves.
Peça 2 – a verdade e a mentira na Lava Jato
A Lava Jato revelou a maior promiscuidade já havida entre uma operação e a imprensa. Em geral, tinha-se um procurador ou delegado acumpliciado com um repórter de polícia vazando informações. Agora se tem a força-tarefa em Curitiba, o pessoal da Procuradoria Geral da República em Brasília, todos eles falando com repórteres de polícia, de política, setoristas, enviados especiais.
Esse modelo horizontal cria blindagens aos vazamentos. Basta que a informação esteja disponível para mais de um órgão, para começar a vazar, sabendo que nem a Polícia Federal nem a PGR abrirão investigações.
Em vazamentos de tal abrangência, a única maneira de uniformizar o discurso é através da verdade – que comporta poucas versões – não da mentira. E aí não é necessário nem as técnicas aprimoradas de interrogatório para identificar a mentira.
Peça 3 - A mentira sobre o vazamento
O primeiro ponto a se considerar é que a alegação do Procurador Geral para justificar a suspensão do acordo de delação de Leo Pinheiro é uma mentira.
Seu juiz, pare agora! Não chamei o PGR de mentiroso. Refiro-me a uma das muitas justificativas filosóficas da mentira, segundo Santo Agostinho.
O que Janot disse sobre a imputação do vazamento ao Ministério Público: “Não poderia ser o MPF porque esse pretenso anexo jamais ingressou em qualquer dependência do MP”.
Ele mentiu contando uma verdade. De fato, não houve uma proposta oficial de delação, muito menos um anexo oficial. Mas Léo Pinheiro mencionou o episódio para os procuradores da Lava Jato. Para vazar, portanto, bastaria ter a informação e uma relação de confiança com a revista.
Significa que foram os procuradores que vazaram? Não necessariamente. Significa que o PGR mentiu (filosoficamente), sem faltar com a verdade.
A questão é: por que (filosoficamente) mentiu?
Peça 4 – a mentira sobre a suspensão da delação
A segunda mentira (filosófica) é sobre as razões da suspensão da delação. Ela nos remete a um tema um pouco mais complexo, da valoração do episódio.
Segundo procuradores da PGR, a delação não será renegociada porque houve quebra de confiança com o vazamento. Ora, GGN já mostrou vazamentos em 17 delações anteriores. O que o último e irrelevante vazamento teria de diferente?
Segundo procuradores da PGR, o episódio de Léo Pinheiro é único: “Normalmente, quando houve vazamentos, a informação existia de fato. Nesse caso, decidimos romper porque foi vazado algo que o Ministério Público Federal não tinha. Essa é a diferença” (http://migre.me/uLgJB), declararam ao G1.
Mentiram, sem faltar com a verdade. De fato, é o único caso de vazamento de notícia não confirmada. Mas, por definição, é o mais inofensivo dos vazamentos. Se a informação não existe, nem deveria ser considerada. Caso contrário, bastaria inventar uma mentira, colocar na capa da Veja para anular qualquer delação.
Portanto, mentiram (filosoficamente) ao tratar drasticamente o mais irrelevante de todos os vazamentos e a fazer vista grossa aos vazamentos relevantes.
Além disso, se a informação não existe formalmente, mas foi testemunhada por todos os procuradores de Curitiba, qual a razão de imputá-la aos advogados de Léo Pinheiro?
Quando há dúvidas dessa natureza, a técnica de investigação sugere que exponha os suspeitos e as informações ao teste do "a quem interessa".
Advogados da OAS – segundo a PGR, com o vazamento tentariam forçar o acordo de delação. Não bate. Supõe-se que a OAS esteja sendo atendida pelos melhores e mais caros advogados do país. Nem um leguleio cometeria erro de cálculo dessa dimensão, de achar que o vazamento aceleraria a aceitação da delação.
PGR – segundo anteciparam diversos veículos, a delação teria alto teor explosivo. Como tal, traz riscos políticos de monta à operação e ao PGR. Portanto, em tese, interessaria ao PGR suspender a delação.
Dr. Janot taxou a capa de Veja de “factoide informacional”. Qual o nome que se dá à suspensão de uma investigação com base em um “factoide informacional”? Seria “factoide processual”?
Peça 5 – o que está acontecendo na Lava Jato
Vamos a um apanhado dos estilhaços de informações que povoaram a mídia nos últimos dias, para tentar entender o desdobramento do factoide informacional e do factoide processual.
Blog de Matheus Leitão, no G1 de 24/08/2016 – Informa que procuradores que cuidam do caso de Gim Arguelo e outros, aguardam nova estratégia de defesa no depoimento de Leo Pinheiro (que seria prestado ontem ao juiz Sérgio Moro):“a expectativa agora é como Léo Pinheiro irá se comportar no depoimento em Curitiba após a suspensão de sua colaboração. Integrantes da Lava Jato acreditam que se ele der muitas informações é porque acredita na renegociação da colaboração e na homologação pela Justiça”.
A matéria fornece três informações preciosas:
Informação 1 - Até os procuradores de Brasília sabem que o que está em jogo é“a nova estratégia da defesa”– ou seja, uma reformulação na proposta inicial de delação de Léo Pinheiro – e não a suposta quebra de confiança alegada por Janot.
Informação 2 – Se aguardam as informações de mudanças na delação, é porque consideram que Pinheiro tem informações relevantes para seu processo. A PGR está abrindo mão de informações relevantes graças a um “factoide informacional”.
Informação 3 – Léo manteve-se calado perante Moro. Sinal que ainda não combinou com a PGR a “nova estratégia”. Troféu “pedra da Roseta” a quem decifrar o teor da nova delação, se houver.
Coluna de Mônica Bergamo em 25/08/2016 – “O governo de Michel Temer acompanha com lupa a crise entre o Ministério Público Federal e o STF (Supremo Tribunal Federal). E tem informações de que procuradores tentaram investigar, além do ministro Dias Toffoli, também assessores e familiares de outros dois magistrados da corte.
É provável que Gilmar Mendes esteja na mira dos procuradores da Lava Jato.
A questão central é que a Lava Jato recorreu a um arsenal de infâmias contra magistrados, cujo ponto alto foi o massacre a que foi submetido o Ministro MarceloNavarro Ribeiro Dantas, do Superior Tribunal de Justiça (STJ).
Ribeiro entrou na delação do ex-senador Delcídio do Amaral da mesma maneira que pretendiam que Toffoli entrasse na de Léo Pinheiro: certamente estimulado pelos procuradores Delcídio incluiu um caco irrelevante sobre Marcelo.
Ex-procurador e ex-desembargador ficha limpa, garantista, unicamente devido ao fato de ter dado um voto contrário à Lava Jato, Marcelo Navarro Ribeiro Dantas foi massacrado com base na delação negociada de Delcídio diretamente com a Procuradoria Geral da República. Na condição de relator de um processo, ele poderia ter decidido o caso com voto individual. Optou por leva-lo ao pleno, onde seria apenas mais um voto. Só por isso, seu nome foi incluído a fórceps na delação de Delcídio.
Esse histórico de abusos fragilizou a posição da Lava Jato, permitindo que se tornasse alvo fácil de factoides verossímeis, como essa bobagem da capa da Veja.
Foi o que levou o Ministro João Otávio de Noronha, novo corregedor do Conselho Nacional de Justiça, a declarar (http://migre.me/uLiYr): “Para que o magistrado exerça a magistratura com plena liberdade, sem medo da mídia, que se tornou um poder […] Não pode um juiz se curvar ao Ministério Público ou à Polícia Federal. O magistrado se curva às liberdades fundamentais e ao devido processo legal”, afirmou.
E o procurador curitibano, desancando Toffoli através da Folha, crente que sabia jogar xadrez. Ou talvez soubesse. O excesso de abusos contra o inimigo comum serve agora para blindar os aliados comuns.
Peça 6 – o fim da ilusão dos procuradores
Dia desses, confrontado com o link de um post meu – no qual mostrava a maneira como o MPF se converteu em partido político – um bravo procurador goiano, desses que atuam corajosamente na linha de frente contra o crime, rebateu dizendo que o artigo juntava um conjunto de ilações para uma conclusão errada.
Quem atua na linha de frente não tem noção das sutilezas e sofisticações dos jogos de poder, da arte de direcionar ou afrouxar a energia de um órgão na direção pretendida. São massas-de-manobra que, com sua coragem de encarar o bandido na ponta legitimam as jogadas políticas na cúpula.
Até agora, o artifício do inimigo comum – o PT e Lula – garantia a uniformidade da ação entre a cúpula e a base, a PGR e os procuradores que atuam na linha de frente. Livrar o país dessa corja era o “bem comum”, que justificava o endosso a todos os atos.
Não tinham a menor ideia que o processo de ascensão de um PGR se faz no convívio diuturno com as franjas do poder brasiliense, nos conchavos, na identificação de onde estão a força e o poder para buscar sua proteção e não ficar ao relento. São como limalhas de ferro expostos a um imã. Se o poder não liga o imã, permanecem em suas funções republicanas. Se liga o imã, imediatamente a limalha se alinhará em torno do poder. Se nos tempos de Geraldo Brindeiro houvesse um partido “republicano” e ingênuo como o PT, sua atuação em nada seria diferente da de Janot. E vice-versa.
Depois do jogo consumado, resta o desabafo de um procurador, colhido pelo Painel da Folha: "Éramos lindos até o impeachment ser irreversível. Agora que já nos usaram, dizem chega”. http://migre.me/uLhM0
Bem-vindo ao mundo real.