Michel Temer assumirá de forma interina a Presidência da República caso Dilma seja afastada do cargo durante o julgamento do impeachment. Para isso ocorrer, são necessários 342 votos na Câmara, equivalente a dois terços dos deputados, o que deve ser decidido em abril, e o apoio de 41 dos 81 senadores, em votação prevista para maio. O Senado teria então mais 180 dias para julgar se a presidente cometeu crime de responsabilidade. Caso o resultado do julgamento no Senado seja negativo para a petista, Temer assumiria definitivamente a Presidência. Se Dilma for inocentada na última votação do Senado, ela reassume o governo ao final do processo e o peemedebista retorna à condição de vice. O que é certo é que este golpe parlamentar for bem sucedido, os golpistas organizam um novo governo de coalizão com os partidos neoliberais – o PSDB, o DEM, o PPS, o SED e demais consortes de oportunismo político.
No dia 29 de outubro de 2015 foi lançado o programa “Uma Ponte para o Futuro”, uma peça inicial do “programa pós-impeachment” do governo Temer1. O documento apresenta-se propondo “a buscar a união dos brasileiros de boa vontade” porque “o país clama por pacificação, pois o aprofundamento das divisões e a disseminação do ódio e dos ressentimentos estão inviabilizando os consensos políticos sem os quais nossas crises se tornarão cada vez maiores”. Conforme o programa, todas suas propostas constituem uma “necessidade”, “um quase consenso no país”. Quanto ao retrato da realidade atual, o documento expõe o seguinte: “O Brasil encontra-se em uma situação de grave risco. Após alguns anos de queda da taxa de crescimento, chegamos à profunda recessão que se iniciou em 2014 e deve continuar em 2016. Dadas as condições em que estamos vivendo, tudo parece se encaminhar para um longo período de estagnação, ou mesmo queda da renda per capita. O Estado brasileiro vive uma severa crise fiscal, com déficits nominais de 6% do PIB em 2014 e de inéditos 9% em 2015, e uma despesa pública que cresce acima da renda nacional, resultando em uma trajetória de crescimento insustentável da dívida pública que se aproxima de 70% do PIB, e deve continuar a se elevar, a menos que reformas estruturais sejam feitas para conter o crescimento da despesa”. Diante deste cenário descrito, o programa “Uma Ponte para o Futuro” faz diversas sugestões em diferentes áreas. Em primeiro lugar, o programa Temer propõe a construção de uma trajetória de equilíbrio fiscal duradouro, com superávit e redução progressiva do endividamento público. Para isso seria preciso construir um equilíbrio fiscal por meio de corte dos gastos públicos. “Nos últimos anos é possível dizer que o Governo Federal cometeu excessos, seja criando novos programas, seja ampliando os antigos, ou mesmo admitindo novos servidores ou assumindo investimentos acima da capacidade fiscal do Estado. A situação hoje poderia certamente estar menos crítica”. Isso é, gastou-se muito com o povo. Essa é a origem da crise para o PMDB. E ainda dizem que isso não é apenas culpa dos governos do PT, mas da própria Constituição de 1988. Conforme o documento, o atual “problema fiscal” decorre das despesas públicas que “têm crescido sistematicamente acima do crescimento do PIB, a partir da Constituição de 1988. Em parte estes aumentos se devem a novos encargos atribuídos ao Estado pela Constituição, muitos deles positivos e virtuosos, na área da saúde, da educação e na assistência social. Nestes casos, o aumento das despesas públicas foi uma escolha política correta e que melhorou nossa sociedade. Mas esta mesma Constituição e legislações posteriores criaram dispositivos que tornaram muito difícil a administração do orçamento e isto contribuiu para a desastrosa situação em que hoje vivemos. Foram criadas despesas obrigatórias que têm que ser feitas mesmo nas situações de grande desequilíbrio entre receitas e despesas, e, ao mesmo tempo, indexaram-se rendas e benefícios de vários segmentos, o que tornou impossíveis ações de ajuste, quando necessários”. O documento critica também o ajuste fiscal do segundo governo Dilma, pois “acaba se concentrando numa parcela mínima do orçamento, o que torna o ajuste mais difícil e menos efetivo. Esta é uma das razões principais porque as despesas públicas tem crescido sistematicamente acima do PIB. Enquanto as receitas também cresciam neste ritmo, a situação parecia controlada”. Sintomaticamente os verdadeiros “problemas fiscais” não merecem nem uma linha do programa Temer. Nada sobre os gastos com pagamentos de juros da dívida da ordem de R$ 311,5 bi, desonerações tributárias excessivas que alcançaram R$ 104 bi e a baixa arrecadação devido à “greve de investimentos” de diversos setores do empresariado pelo menos desde 2012. Estes problemas fiscais se agravaram em 2015 com a política monetária e fiscal do plano de austeridade do governo. Apesar disso, o programa Temer uma série de medidas para combater o “descontrole fiscal” pelos “excessivos gastos públicos”. As principais são:-
A implantação do orçamento inteiramente impositivo, o que faria com que o governo funcionasse na prática como um semi-parlamentarismo. Trata-se do “Orçamento com base zero”, que significa que a “cada ano todos os programas estatais serão avaliados por um comitê independente, que poderá sugerir a continuação ou o fim do programa, de acordo com os seus custos e benefícios. Hoje os programas e projetos tendem a se eternizar, mesmo quando há uma mudança completa das condições”. O documento afirma que “o Brasil gasta muito com políticas”. A conseqüência desta medida será minguar ou acabar com os programa sociais que custam ao governo, como o Minha Casa, Minha Vida, Bolsa Família, Mais Médicos, Fies, Pontos de Cultura, Seguro-desemprego, Pronatec, Ciência sem Fronteiras, etc. Concentrar os programas sociais apenas nos mais miseráveis, os 10% mais pobres, que vivem com menos de 1 dólar por dia.
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Novo regime orçamentário, com o fim de todas as vinculações de receitas, o que seria o fim de todo o modelo de financiamento da Educação e da Saúde Pública brasileiras. Segundo o documento, “quando a indexação é pelo salário mínimo, como é o caso dos benefícios sociais, a distorção se torna mais grave, pois assegura a ele um aumento real, com prejuízo para todos os demais itens do orçamento público, que terão necessariamente que ceder espaço para este aumento. Com o fim dos reajustes automáticos, o Parlamento arbitrará, em nome da sociedade, os diversos reajustes conforme as condições gerais da economia e das finanças públicas. Em contrapartida a este novo regime, novas legislações procurarão exterminar de vez os resíduos de indexação de contratos no mundo privado e no setor financeiro”. O objetivo desta proposta é reduzir os gastos sociais em assistência, saúde e educação.
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Fim da política de valorização do salário mínimo. Segundo o documento, “é indispensável que se elimine a indexação de qualquer benefício ao valor do salário mínimo. O salário mínimo não é um indexador de rendas, mas um instrumento próprio do mercado de trabalho. Os benefícios previdenciários dependem das finanças públicas e não devem ter ganhos reais atrelados ao crescimento do PIB, apenas a proteção do seu poder de compra”. O objetivo claro desta proposta é diminuir os salários, quebrando a regra atual de reajuste do salário mínimo. O salário mínimo, que se valorizou em termos reais mais que 70% nos últimos anos, voltará a comprar cada vez menos. O objetivo desta medida é a revisão dos ajustes do salário mínimo para baixo, visto que parte da grande burguesia acredita que esta medida vem levando à deterioração dos lucros. Não gostam de investir em tecnologia, gostam de mão-de-obra quanto mais precarizada melhor. Mais uma medida atrasada, de profunda insensibilidade social, pois afronta os 90% dos assalariados brasileiros ganham até três salários mínimos e foram beneficiados com a sua valorização. Além do salário mínimo, o programa Temer propõe que se elimine a indexação de qualquer benefício, inclusive aposentadorias e auxílios a pessoas deficientes, ao valor do salário mínimo.
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Ataque aos direitos trabalhistas. Na visão do programa de Temer, todos os direitos trabalhistas são custos empresariais que devem ser reduzidos para que sobrem recursos para serem acumulados. Pretende-se aprovar legislação que permita que o que for acordado entre patrões e empregados se sobreponha aos direitos trabalhistas estabelecidos. É evidente que diante da ameaça de demissão os trabalhadores e as trabalhadoras farão acordos aceitando perdas de direitos. É o fim da CLT ao permitir que o acordado prevaleça sobre o legislado, configurando retirada de direitos de milhões de trabalhadores.
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Reforma na Previdência Social. O programa acentua que a crise fiscal está profundamente relacionada a previdência social. “Diferentemente de quase todos os demais países do mundo, nós tornamos norma constitucional a maioria das regras de acesso e gozo dos benefícios previdenciários, tornando muito difícil a sua adaptação às mudanças demográficas. Nós deixamos de fazer as reformas necessárias decorrentes do envelhecimento da população nos anos 1990 e 2000, ao contrário de muitos países, e hoje pagamos o preço de uma grave crise fiscal. O resultado é um desequilíbrio crônico e crescente. Em 2015 a diferença ou déficit entre as receitas e as despesas no regime geral do INSS está em 82 bilhões de reais. No orçamento para o ano que vem esta diferença salta para 125 bilhões. As projeções para o futuro são cada vez piores”. A solução apontada é a adoção da idade mínima para aposentadorias, que não seja inferior a 65 anos para os homens e a 60 anos para as mulheres, com previsão da idade mínima aumentar dependendo dos dados demográficos. E o fim da indexação de qualquer benefício previdenciário ao valor do salário mínimo. O objetivo do programa é elucidar a visão da burguesia rentista que considera que a Previdência Social gasta demais. Assim eles querem economizar recursos do governo para que sobre dinheiro para que possam transferir para empresários oferecendo-lhes desonerações, subsídios ou pagando montantes estratosféricos de juros aos rentistas detentores de títulos da dívida do governo.
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Não usar mais o FGTS como fonte de recursos a “fundo perdido” para subsidiar e financiar o programa Minha Casa, Minha Vida, o que levaria a um desemprego em massa na indústria da construção civil e menor acesso popular à casa própria
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“Intervenção no SUS” com redução dos repasses orçamentários para o Ministério da Saúde.
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Reforma Tributária. O programa Temer propõe realizar um vasto esforço de simplificação, reduzindo o número de impostos e unificando a legislação do ICMS, com a transferência da cobrança para o Estado de destino; desoneração das exportações e dos investimentos. Isso é: em nada mudar o caráter regressivo da tributação, um dos fatores de reprodução das profundas desigualdades sociais no país. A reforma tributária sugerida pelo documento não ataca o problema da regressividade do sistema e suas injustiças. Querem continuar poupando os ricos, milionários, banqueiros e multinacionais. O documento também propõe a “racionalização dos procedimentos burocráticos” com ênfase nos licenciamentos ambientais que podem ser efetivos sem ser necessariamente complexos e demorados.
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Privatizações. O programa defende que o desenvolvimento deve ser centrado na iniciativa privada, por meio de “transferências de ativos que se fizerem necessárias, concessões amplas em todas as áreas de logística e infraestrutura, parcerias para complementar a oferta de serviços públicos”. Entenda-se: Fim do Regime de Partilha e o controle da Petrobras do Pré-Sal. Venda de ativos da Caixa Econômica e Banco do Brasil. Aprovação do “Estatuto das estatais” para limitar a capacidade do governo usar as estatais para fazer políticas de interesse público e forçá-las à privatização.
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Política e Comércio Internacional. Nesta área, o programa Temer defende uma maior abertura comercial e busca de acordos regionais de comércio com ou sem a companhia do Mercosul. Em demonstração de subserviência, insinua sustar o projeto do BRICS, submetendo o país às parcerias transatlânticas e transpacíficas lideradas pelos EUA, as quais dão privilégio aos investidores estrangeiros, agredindo a soberania, a proteção socioambiental brasileira. Isso é, regredir nos acordos do Mercosul em benefício de acordos que os EUA estão propondo na Ásia e no Atlântico Norte. Na entrevista de Moreira Franco, levanta-se também a proposta de restrição aos subsídios da política industrial e de comércio exterior brasileira com o objetivo de acabar com as políticas que visam desenvolver e impedir maior desindustrialização do Brasil.
O programa “pós-impeachment” do governo Temer tem objetivos claros e alinhados aos setores mais atrasados da sociedade brasileira. Trata-se de um programa voltado para o setor privado, o que atinge direta e imediatamente aqueles e aquelas que mais necessitam do Estado, de políticas públicas e programas sociais.
O documento ataca frontalmente a capacidade do Estado de intervir na atividade econômica e seus inerentes ciclos, e no compromisso constitucional de combate a ainda enorme desigualdade social. Acredita-se nos dogmas econômicos mais infantis, aqueles mesmos que criaram fortes crises econômicas, políticas e sociais nos Estados Unidos e na Europa. Até o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso, em entrevista ao jornal Valor Econômico de 20/11/2016 considerou o programa Temer “excessivamente liberal do ponto de vista econômico”. Seu liberalismo rasteiro lembra as ideias de ONG’s de direita como Vem para Rua, Endireita Brasil, Movimento Brasil Livre, e outros liberais fundamentalistas e imbecilizados. O programa reflete a forma negativa com que os programas sociais são vistos por expressiva parte da classe média e mídias conservadoras. Não seria exagero dizer que jamais foi tentado no Brasil um programa tão liberal, nem pelos militares e nem por nenhum presidente eleito, nem mesmo Collor ou FHC. A Ponte para o Futuro na verdade é uma Ponte para o Passado. Retrocede não apenas nas conquistas dos governos liderados pelo PT desde 2003, mas nos direitos da Constituição de 1988 e conquistas da “Era Vargas”, que nem FHC conseguiu destruir completamente. A Ponte para o Futuro, proposta do governo Temer, é o fim da Nova República. Com ele vamos voltar aos tempos da República Velha (1889-1930), uma Nova República Velha. O pior de tudo é que realmente para os setores sociais golpistas estas medidas constituem um “um quase consenso”, porém não no país, mas para as classes altas e médias.