Diga sim à diversidade cultural e religiosa! Voltem às aulas de Antropologia!

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É preciso urgentemente desconstruir o etnocentrismo das falas, pensamentos e formas de ver o mundo. Não estamos em uma disputa entre os “civilizados” e os “bárbaros”. Estamos no momento de discutir os rumos do nosso país, e não se pode fazê-lo em cima de pilares xenófobos, racistas e anti-islâmicos Por Francirosy Campos Barbosa¹ “O homem não se enxerga sozinho: ele precisa do outro como seu espelho e seu guia” (Roberto DaMatta) Um dos conceitos mais importantes para Antropologia é o conceito de Alteridade. A alteridade demarca a relação com o Outro (aquele que supostamente é diferente do Eu), o “eu” só existe em contato/relação com o “outro”, quando se anula o outro na discussão, na vida, criamos o egocentrismo e deixamos de enxergar para além de nós mesmos. Quando conseguimos enxergar o “outro” ele deixa de ser exótico e torna-se familiar (Roberto DaMatta), este é o nosso exercício antropológico cotidiano e deveria ser o nosso exercício nesta humanidade. Pois bem, ontem quando li o relato de uma amiga no Facebook dizendo que estudantes da Universidade Mackenzie se dirigiam para frente do prédio do Centro Universitário Maria Antonia quase que mimetizando os enfrentamentos dos dois centros universitários no auge da ditadura militar, só que desta vez gritando pelo impeachment da Presidenta Dilma Roussef e defendendo o juiz Sergio Moro, pensei: mais um grupo de jovens “conservadores” querendo expressar sua opinião sobre o momento atual. Mesmo não entendendo porque eles precisassem ir à frente do Maria Antonia, ao invés de permanecer no seu próprio reduto para se manifestarem, considerei uma ação como as demais que vemos acontecer cotidianamente no Brasil há meses. Mas o pior ainda estava por vir, a foto da tal manifestação. As frases: Força Moro! Impeachment Já! Fora PT! Todas recorrentes nas manifestações pró-golpe, o máximo que podemos dizer é: concordamos, não concordamos. A surpresa em meio a essas já conhecidas expressões é a frase: “Não Islamização no Brasil – Fechem as Fronteiras”. A frase carrega discriminação, islamofobia, sectarismo e violação dos direitos de ir e vir. O que penso a respeito? Penso e sinto coisas diversas: primeiro, esses jovens não conhecem o Islam, nunca estiveram em uma Mesquita (só no Estado de São Paulo temos 17, além de vários Centros Islâmicos). Não sabem quem são os muçulmanos, sua religião e estão a repetir o discurso sionista propagado por alguns órgãos de imprensa. Esses jovens são frutos da desinformação, das leituras de internet, de viagens aos EUA. Será que sabem que dentro de sua universidade há muitos jovens muçulmanos, assim como eles? Segundo, não devem ter aprendido nada nas aulas de Antropologia desta universidade, pergunto: vocês tiveram aulas de antropologia? É preciso urgentemente desconstruir o etnocentrismo das falas, pensamentos e formas de ver o mundo. Não estamos em uma disputa entre os “civilizados” e os “bárbaros”. Estamos no momento de discutir os rumos do nosso país, e não se pode fazê-lo em cima de pilares xenófobos, racistas e anti-islâmicos. Lembrem-se: vocês estão escrevendo a história que vão contar aos seus filhos, netos e gerações futuras. Recomendo a esses jovens a leitura do texto “Raça e História” de Claude Lévi-Strauss escrito em 1952 a convite da Unesco para colocar fim aos sentimentos pós Segunda Guerra Mundial, talvez, ajude-os a compreender um pouco mais sobre diversidade humana. Se tivermos que fechar as fronteiras como os alunos sugerem, seria bom começar por eles mesmos, aliás no Brasil, se não for índio, todos resto  é (i)migrante de algum lugar (país, estado, cidade). Avaliar a situação atual, queridos jovens, alunos não é fácil e requer muita leitura e interpretação, como afirmou Geertz : “Se quiséssemos verdades caseiras, deveríamos ter ficado em casa” ( 2001, p. 67). Se é para encabeçar manifestações islamofóbicas fiquem em casa, porque não cabe mais neste mundo discurso sectário e de ódio, principalmente em momento delicado da nossa história. Por fim, mas não menos importante, meu recado é para alguns muçulmanos que ainda não acordaram para os riscos que correm diante de um golpe no atual governo. Deixem de lado as diferenças partidárias, o gosto ou não gosto de governos de esquerda e comecem a observar os movimentos atuais. Na semana passada a Mesquita de Brasília foi atacada por vândalos, nesta semana jovens universitários, onde muitos de vocês estudaram ou têm filhos estudando pedem o fim da religião no país e o fechamento de fronteiras, certamente se referindo aos refugiados recebidos pelo atual governo. Não precisa ser pesquisador de comunidades muçulmanas para saber que a Lei do Terrorismo e outras ações vão atrapalhar consideravelmente a vida da comunidade no país. É certamente um momento de unir forças por um bem comum, que é o respeito à diversidade religiosa e cultural. O crescimento da intolerância religiosa em relação aos muçulmanos só vem crescendo nos últimos meses no Brasil, e conta com um trabalho midiático que associa os muçulmanos ao terrorismo. É preciso garantir o respeito à diversidade e mudar o discurso da defesa “não somos terroristas” e começar a propor eventos dentro dos seus espaços (Mesquitas e Centros Islâmicos) para que os “outros” possam também conhecê-los. Sugiro aos professores e alunos do Mackenzie que são contra aos atos islamofóbicos que se pronunciem e que realizem uma visita às comunidades islâmicas. Me coloco à disposição para realizar esta mediação entre universidades e comunidades islâmicas e anseio para que um dia pensar diferente não seja motivo de ataque e sim de diálogo. ¹Antropóloga, pós-doutora pela Universidade de Oxford (sob supervisão do Prof.Dr. Tariq Ramadan), docente USP FFCLRP. Coordenadora do GRACIAS: Grupo de Antropologia em Contextos Islâmicos e Arabes, francirosy@gmail.com