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O desafio da mudança passa pela política efetiva, pela disputa dos corações, das mentes – e dos votos. É o que estamos fazendo há quinze anos na América Latina, com a instalação de governos progressistas – das mais diferentes feições – e sua trajetória, pontuada de erros, vazios, contradições
Por Igor Fuser*
O filósofo esloveno Slavoj Zizek é um pensador que sempre merece ser ouvido, discordemos dele ou não. Por acaso, deparei-me com uma entrevista recente em que ele, indagado se via com esperança o partido grego Syriza, afirmou que sim e explicou: “Estou farto dessa esquerda marginal que não somente sabe que nunca chegará ao poder, mas que secretamente nem sequer o deseja. No Syriza, admiro essa séria vontade de governar, de jogar.”
Zizek admitiu (isso foi há dois meses) que as condições políticas para viabilizar um programa de esquerda no cenário europeu não seriam fáceis, mas ressaltou que valia a pena tentar. Emendou com uma citação de Napoleão Bonaparte. Em tradução livre: “Nós atacamos, e aí veremos”.
Devemos tentar tudo, explicou o filósofo, pois, quando a gente se põe em movimento, “sempre pode surgir algo novo, mesmo que não seja aquilo se esperava.”
A esquerda que ele estava criticando é aquela que sobreviveu a um duplo desastre: o colapso do socialismo burocrático à moda soviética e a rendição da social-democracia ao neoliberalismo. Restou uma esquerda-testemunha, valiosa na denúncia deste mundo injusto, mas irrelevante na tarefa de substituí-lo por algo melhor.
O desafio da mudança passa pela política efetiva, pela disputa dos corações, das mentes – e dos votos. É o que estamos fazendo há quinze anos na América Latina, com a instalação de governos progressistas – das mais diferentes feições – e sua trajetória, pontuada de erros, vazios, contradições.
Hoje o ciclo progressista enfrenta um impasse, e em certos países há dúvidas até sobre a continuidade dessas experiências. Não faltará quem diga: “Eu avisei que não daria certo.” São as vozes do imobilismo, disfarçado sob diferentes trajes – o do ultra-esquerdismo, à espera de condições para repetir os dias épicos da Comuna de Paris ou do Soviete de Petrogrado; o do socialismo utópico, crente de que é possível “mudar o mundo sem tomar o poder”.
A todos esses, a fala de Zizek e a prática do Syriza (e a do Podemos) são uma boa resposta: seguir adiante, fazendo história, mesmo sem um mapa definido. A gente avança, modifica a realidade. E esse mundo mudado nos transforma.
* Igor Fuser, doutor em Ciência Política pela USP, é professor no curso de Relações Internacionais da Universidade Federal do ABC. Foi coordenador do curso de Jornalismo da Faculdade Cásper Líbero. Como jornalista, trabalhou no jornal Folha de S. Paulo e nas revistas Veja, Exame e Época, entre outras publicações. Participa atualmente do conselho editorial do “Le Monde Diplomatique Brasil” e do “Brasil de Fato”
Foto de capa: Rede Brasil Atual