Escrito en
POLÍTICA
el
Governador do Maranhão entrou ontem (16) com uma Ação Direta de Inconstitucionalidade por Omissão no STF para assegurar que a taxação de grandes fortunas, prevista no texto constitucional, seja implementada. "Não é uma recomendação, é uma determinação, e de todos os impostos previstos na Constituição esse é o único que não é cobrado". Confira a entrevista
Por Glauco Faria
Diante do fato do Congresso Nacional ainda não ter regulamentado a taxação sobre grandes fortunas, instrumento previsto na Constituição promulgada em 1988, o governador do Maranhão, Flávio Dino (PCdoB), entrou com uma Ação Direta de Inconstitucionalidade por Omissão no Supremo Tribunal Federal (STF) para que o órgão regule a cobrança do imposto.
A ação pede que o STF reconheça a "omissão inconstitucional do Congresso Nacional" em instituir o imposto, fixando o prazo de 180 dias para o Legislativo encaminhar à sanção presidencial projetos de lei que tratem de sua regulamentação e instituição. O órgão também deve apontar "quais regras vigerão já no presente exercício financeiro", permitindo a cobrança do tributo no próximo exercício "no caso do Congresso Nacional permanecer inerte e manter-se em estado de inconstitucionalidade por omissão".
"Não é uma recomendação, é uma determinação, e de todos os impostos previstos na Constituição esse é o único que não é cobrado", lembra Dino, em entrevista à Fórum. Para ele, as medidas de austeridade propostas pela equipe econômica do governo federal tornam a questão ainda mais relevante. "Por uma série de fatores atinentes mesmo à continuidade da crise econômica de 2008, tivemos a necessidade do chamado ajuste fiscal e, por isso mesmo, assim como no tempo de bonança aqueles que mais têm, ganham mais, é justo que na hora da dificuldade contribuam mais."
Confira abaixo a íntegra da entrevista, na qual Dino também falou sobre regulação dos meios de comunicação, as manifestações do final de semana e fez um balanço de seus primeiros meses de governo maranhense.
Fórum – O senhor entrou com uma Ação Direta de Inconstitucionalidade por Omissão no Supremo Tribunal Federal para garantir a taxação de grandes fortunas. Qual sua motivação e que resultado o senhor espera?
Flávio Dino – Há 27 anos a Constituição manda que no Brasil haja o imposto sobre grandes fortunas. Não é uma recomendação, é uma determinação, e de todos os impostos previstos na Constituição esse é o único que não é cobrado. Então, estamos diante de uma omissão que é sem razoabilidade e claramente inconstitucional porque frustra uma norma expressa e, ao mesmo tempo, ao haver essa frustração, ocorre o impedimento do pleno atendimento ao princípio da capacidade contributiva, que também é expresso na Constituição, segundo o qual quem pode mais deve pagar mais. Há vários instrumentos expressamente previstos na Constituição para que isso ocorra e um deles é o imposto sobre grandes fortunas.
Estamos diante, claramente, de uma situação inconstitucional, o Congresso Nacional já teve prazo suficiente para cumprir essa lacuna, não o fez, e considero que é papel do Supremo, como guardião da Constituição, cuidar também das situações de omissões constitucionais. O próprio Supremo já tem entendido isso quando da apreciação de mandados de injunção, portanto, deve fazer o mesmo em relação a ações diretas de inconstitucionalidade por omissão, garantindo que, transitoriamente, até que o Congresso legisle sobre o assunto, se tenha alguma regra.
Fórum – Sua motivação também estaria relacionada ao ajuste fiscal proposto pela equipe econômica do governo federal, ou seja, se há cortes, o "andar de cima" também que arcar com eles?
Dino – Essa é a questão fundamental. Temos um conjunto de reflexões mais estruturais acerca da feição do sistema tributário, a busca da progressividade, privilegiar impostos sobre patrimônio, sobre a riqueza, os chamados impostos pessoais, em detrimento do que temos hoje que é a regressividade derivada do grande peso dos impostos sobre consumo. Para além dessas reflexões de caráter mais estrutural, temos uma questão conjuntural. Por uma série de fatores atinentes mesmo à continuidade da crise econômica de 2008, tivemos a necessidade do chamado ajuste fiscal e, por isso mesmo, assim como no tempo de bonança aqueles que mais têm, ganham mais, é justo que na hora da dificuldade contribuam mais.
Fórum – Falando a respeito da sua gestão, como tem sido esses primeiros meses de governo e também como tem sido sua relação com os grandes grupos midiáticos locais, alguns deles que trabalharam de forma explícita contra a sua eleição?
Dino – Estamos avançando em todas as políticas com as quais nós nos comprometemos, medidas muito claras de valorização da educação, fizemos um reajuste da remuneração de todos os professores, cumprimos direitos que estavam represados há muitos anos, relativos a sua progressão, contratamos novos professores, e lançamos um projeto de substituição de escolas de taipa, barro e palha, chamado projeto Escola Digna, que está nesse momento em fase de seleção de propostas. Conseguimos, no terreno da segurança, melhorar as condições gerais de operação das forças policiais e do sistema penitenciário. Lançamos o programa Mais IDH voltado para as cidades mais pobres do Maranhão, e fizemos nessas cidades o início do mutirão desse programa, levando serviços públicos básicos a essas populações; vamos lançar agora nosso programa de moradia no meio rural, enfim, temos em todos os planos símbolos e exemplos concretos de que a mudança política não se esgota em si mesma, ela tem uma vocação e uma aptidão para gerar transformação na vida das pessoas.
No caso da relação com a mídia, nós permanecemos exatamente nos termos em que nos encontrávamos anteriormente, ou seja, temos um enfrentamento cotidiano por parte do monopólio local exercido pelo eixo de poder Sarney/Lobão e, por outro lado, alguns veículos independentes com os quais mantemos uma relação jornalística, além de um uso muito intenso das redes sociais e outras mídias como caminho principal para que as informações possam circular de um modo mais democrático.
Estamos investindo muito fortemente na valorização da participação popular, instituímos uma secretaria específica para cuidar do assunto e vamos, a partir desta secretaria, lançar nos próximos meses plataformas de participação por meio digital que garantam por um lado o controle social e por outro um diálogo a respeito das políticas públicas. Esse é o caminho principal que adotamos, além de termos valorizado um instrumento de comunicação pública que o estado tem há mais de sete décadas, a Rádio Timbira, tradicional aqui e que se encontrava, infelizmente, desvalorizada, e que nós estamos agora ampliando a sua capacidade. Recrutamos novos profissionais, lançamos uma nova programação de modo que ela também seja uma referência, além da comunicação pelas redes sociais, de um sistema de comunicação pública liderado por ela.
Fórum – Além da questão da taxação das grandes fortunas, algo previsto na Constituição e não implementado, há a regulação dos meios de comunicação, algo também previsto no texto constitucional. Por que o senhor acha que ainda estamos falando disso hoje e por que, depois de mais de doze anos de governos comandados pelo PT, não avançamos nessa questão?
Dino – Infelizmente não houve, por parte dos atores políticos, uma priorização dessa temática. De fato é uma grave deficiência porque novamente aqui, assim como an questão do regime tributário e do imposto sobre grandes fortunas, neste caso também, da comunicação, estamos diante de determinações, não são recomendações, são diretrizes claras quanto à necessidade de haver, por exemplo, a chamada regulação econômica no que se refere a oligopólios e monopólios. Nada disso é uma invenção, uma ficção, está escrito na Constituição e por isso deve ser cumprido.
Os atores políticos não priorizam o tema e nesse instante de grande questionamento sobre o conjunto das instituições democráticas – porque, além das críticas ao governo e uma força política específica que é o PT, basta uma análise mais cuidadosa para identificar em muitos segmentos da sociedade uma deslegitimação geral do sistema político –, há um questionamento mais universal. E exatamente nesse momento de crise de legitimidade do sistema político-institucional, é preciso ter na agenda amplitude, é preciso que o conjunto das forças políticas abandone uma postura sectária, de negação da legitimidade da pluralidade política e sentem-se à mesa, busquem algum tipo de entendimento possível dentro de posições conflitantes mas que, via disso, resulte o estabelecimento de uma agenda mais ampla. E nessa agenda creio que o primeiro passo é exatamente o enfrentamento desses tabus que são debatidos há décadas e não são objeto de um andamento mais significativo, como a reforma política, a reforma tributária e essa temática da democratização dos meios de comunicação.
Fórum – Em relação às manifestações, qual avaliação o senhor faz delas e também dos rumos que o governo deve adotar? Ele deveria priorizar o diálogo com quem pede a saída da presidenta ou com uma outra parcela significativa da população, que não necessariamente saiu às ruas, mas que está insatisfeita com o início do segundo mandato?
Dino – Ambos os movimentos são necessários e não são excludentes. Você deve, em primeiro lugar, ter fidelidade ao programa que foi escolhido pela maioria. E na visão dessa maioria eleitoral havia e há a perspectiva de transformações sociais mais profundas no país, de valorização da democracia, de distribuição de renda, de continuidade das políticas sociais e de investimentos públicos que garantam o nível de emprego. Essa é a agenda intocável, porque é a agenda vitoriosa nas urnas.
Em segundo lugar, o governante escolhido por voto majoritário no dia seguinte tem que se relacionar com aqueles que não votaram nele, tem que buscar algum tipo de diálogo com esses segmentos e entre os temas que podem responder muito vivamente ao clamor daqueles que não votaram na presidenta Dilma, destaco, sobretudo, o enfrentamento mais organizado da temática do combate à corrupção e da improbidade administrativa. Acho que o governo deve adotar uma agenda mais clara e mais incisiva em relação a esse tema.
Foto de capa: Elza Fiúza/ABr