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Para os EUA o TPP é um negócio da China. Só que sem a China. Já para o Brasil é impossível ignorar o gigante asiático em qualquer acordo que seja
Por Wagner Iglecias
Foi anunciada nesta segunda-feira a assinatura do Tratado Transpacífico de Livre Comércio (TPP), com a participação dos EUA, Japão e mais doze países da chamada Bacia do Pacífico. É o maior acordo comercial da História, não só porque envolve países responsáveis por 40% da economia mundial, mas também porque prevê a derrubada de barreiras tarifárias nas trocas comerciais entre os países membros, regras uniformes de propriedade intelectual e novos marcos regulatórios relativos a questões trabalhistas e ambientais.
O acordo é um grande negócio para Washington, já que mais de 18 mil impostos e tarifas cobrados sobre produtos norte-americanos que são aplicados hoje nos países membros deixarão de ser cobrados nos próximos anos. Além disso os EUA conseguiram alongar prazos de exclusividade relativos a patentes suas, como as relativas a medicamentos, resultando em maiores lucros para suas empresas.
A iniciativa de Washington reproduz, em escala ampliada, o Tratado de Livre Comércio da América do Norte (NAFTA), que começou a vigorar em 1994, com a participação dos EUA, Canadá e México. Embora seja um dos principais parceiros comerciais do país mais rico do mundo, e inclusive tenha superavit comercial com Washington, o México hoje é uma espécie de prolongamento do território econômico dos EUA. O detalhe é que o México conta com leis trabalhistas e ambientais bem mais frágeis e lenientes com o vale-tudo pela redução de custos de produção do que aquelas que existem e são praticadas dentro dos EUA. Vale a pena fazer um balanço dos ganhos e das perdas que o México teve nestas duas décadas para se especular sobre o que poderá ser de vários pequenos países que aderiram ao TPP agora. Se por um lado houve maior acesso ao mercado estado-unidense, por outro diversos ramos da economia mexicana foram, na melhor das hipóteses, desnacionalizados. Ou simplesmente desapareceram, provocando desemprego, dependência tecnológica e pobreza.
A assinatura do tratado já motivou, no debate nacional, muitas críticas à postura que o Brasil vem adotando nos últimos anos em relação à inserção do país na economia mundial. Para muita gente estamos presos ao Mercosul e erramos ao insistir em acordos bilaterais com nações pequenas ou em caminhar junto aos demais BRICS rumo à construção de uma nova geoconomia mundial. Não falta quem, em nosso país, defenda um amplo acordo comercial com os EUA ou com a União Européia, com a derrubada definitiva de barreiras tarifárias à importação de produtos de alto valor agregado produzidos por aqueles países em troca da maior abertura daqueles mercados aos nossos bens agropecuários.
Mas, afinal, estará certo o caminho adotado até aqui pelo Brasil, de não aderir a esses grandes tratados? Peru e Chile, por exemplo, como pequenas economias primário-exportadoras, e há décadas sob profunda influência geopolítica dos EUA, talvez não tenham outra opção que não seja trocar o que resta de sua soberania econômica pelo maior acesso de seus produtos minerais aos mercados estado-unidense e japonês. Malásia e Vietnã, dois países-fábrica, com frágeis leis trabalhistas e ambientais e focados na indústria textil de exportação, talvez não tenham realmente alternativas, e a maior abertura dos mercados dos países membros do TPP possa ser uma boa medida a curto prazo, ainda que reitere seu perfil econômico periférico.
A pergunta que fica é: será que uma economia que situa-se entre as dez maiores do planeta, com 200 milhões de habitantes, estrutura produtiva diversificada e pauta de exportações ampla e que tem como clientes quase todas as nações do mundo precisa seguir aquele mesmo caminho? Ou deve insistir em acordos mais vantajosos, que lhe possibilitem sair da condição de país predominantemente (mas não somente) primário-exportador e amplie mais sua pauta de produtos exportáveis?
Por outro lado temos como trunfo nessa decisão que há que ser tomada em breve um parceiro que é o foco do TPP: a China. O mesmo país que com seu Banco de Desenvolvimento Asiático já congrega 57 países parceiros, ávidos por receber capitais chineses. O TPP busca, e isso não é segredo pra ninguém, conter exatamente essa expansão econômica de Beijing na Bacia do Pacífico. E a China, nesse poderoso jogo de grandes interesses econômicos e geopolíticos, é nosso principal parceiro nos BRICS. Chega a ser inclusive o mais estratégico parceiro de vários dos nossos vizinhos, como Argentina, Venezuela e Equador, e tem presença importante nas economias de signatários do TPP como Chile e Peru.
A parceria com os BRICS e a recente aproximação com a União Européia, via Mercosul, e as negociações com México, Peru, Chile e Colômbia, todos muito alinhados a Washington, mostra que o Brasil segue com sua linha tradicional de política comercial, buscando tirar proveito das inúmeras possibilidades que se colocam a cada novo período da geoeconomia e da geopolítica mundiais. Para os EUA o TPP é um negócio da China. Só que sem a China. Já para o Brasil é impossível ignorar o gigante asiático em qualquer acordo que seja.
Wagner Iglecias é doutor em Sociologia e professor da Escola de Artes, Ciências e Humanidades da USP
Foto de capa: Reprodução