Para além do debate jurídico, é preciso analisar os efeitos políticos decorrentes da aplicação do instituto da delação premiada no Brasil. Não se trata de questionar sua validade – ela já foi utilizada com reconhecido êxito em diversos países –, mas de verificar as condições de adaptação à realidade brasileira
Por Vinicius Wu
O instituto da delação premiada é polêmico, controverso e está longe de ser unanimidade no meio jurídico. Para leigos como eu, trata-se de um expediente um tanto nebuloso. Por isso, andei pesquisando. E, claro, comecei pela operação Lava Jato. Para além dos aspectos jurídicos – que não domino – penso ser possível, e necessário, refletirmos a respeito de suas implicações sobre nossa cultura política e o combate à corrupção no Brasil.
A delação premiada que, na verdade, seria uma “colaboração premiada”, ganhou notoriedade internacional a partir da ação do magistrado italiano Giovanni Falcone para desmantelar a Cosa Nostra, principal grupo mafioso da Itália nos anos setenta e oitenta. Mas, o recurso surgiu bem antes, na Inglaterra, em 1775, e já vinha sendo utilizado com bastante consistência nos EUA, nos anos sessenta, para combater a máfia italiana instalada em território americano.
O instituto da delação premiada adentra o sistema judicial brasileiro muito recentemente, com a Lei de crimes hediondos, de 1990, mas só se tornaria aplicável a partir da Lei 9.613, de 1998, dedicada ao combate à lavagem de dinheiro. No entanto, o instituto ainda carecia de alguns requisitos para se tornar viável, o que só foi possível com a Lei 12.529/2011, que regulamentou os chamados “acordos de leniência”, e a Lei 12.850, de 2013, que combate as organizações criminosas.
Para além do debate jurídico é preciso analisar os efeitos políticos decorrentes da aplicação do instituto da delação premiada no Brasil. A importação de leis, de forma mecânica, não costuma render bons frutos e há de se verificar não apenas sua validade, mas, principalmente, a forma como a delação premiada vem sendo aplicada no país, em especial, no caso da Lava Jato.
Ou seja, não se trata de questionar a validade do instituto – já utilizado com reconhecido êxito em diversos países – mas de verificar as condições de adaptação à realidade brasileira. Se esse recurso vai contribuir, ou não, ao propósito de combater a prática de ilícitos por agentes públicos, ainda é uma questão em aberto. Indispensável, entretanto, seria considerar a cultura politica nacional em um processo tão complexo. Mas, isso não parece estar no horizonte de preocupações dos procuradores e juízes da Lava Jato.
Analisando os resultados parciais obtidos pelo uso da delação premiada na operação Lava Jato é forçoso reconhecer que há motivos suficientes para nos preocuparmos com seus efeitos sobre o imaginário nacional e a própria cultura política do país. Vamos, então, a alguns fatos, que ficarão registrados na história da famosa operação.
Pedro Barusco, que poderia ser inscrito no Guinness Book como um dos maiores corruptos do planeta, está “preso” em regime aberto e condenado a pagar uma “multinha” de R$ 3,2 milhões. Lembro a/ao leitor/a que o sujeito se comprometeu a devolver nada menos do que 100 milhões de dólares aos cofres públicos. As somas astronômicas movimentadas pelo ex-gerente de serviços da Petrobras tornam a multa uma bagatela. O premiado delator já está em casa, e não sendo uma personalidade pública, em poucos anos, estará esquecido e poderá seguir a vida numa boa.
O mesmo vale para Paulo Roberto Costa, ex-diretor da Petrobras, que já está progredindo, discretamente, para o regime semi-aberto diferenciado. Segundo seu advogado, está “se adaptando à nova vida”, na qual estará impedido de sair aos finais de semana, devendo, nos dias úteis, chegar em casa antes das 20 horas. Em outubro do próximo ano, já pode passar ao regime aberto. Poderá até viajar, com autorização judicial. E isso depois de ter participado de um dos maiores esquemas de corrupção da história.
Já o “operador” Fernando Baiano se prepara para cumprir prisão domiciliar e, segundo alguns jornais, a mesma será desfrutada em uma ampla cobertura em um bairro nobre do Rio de Janeiro.
Portanto, o noticiário dos últimos dias reforça minha percepção de que os delatores da Lava Jato deixarão a péssima impressão de que o crime compensa no Brasil – basta delatar seus comparsas no final. Além do uso político que estão fazendo das delações meticulosamente “vazadas” para a imprensa, ainda estou a procurar sua utilidade real em termos de avanço no combate à corrupção.
Afinal, enfrentar a corrupção pressupõe uma profunda mudança na cultura política do país, desde sempre assentada sob os pilares do patrimonialismo, do clientelismo e da condescendência da justiça para com os “de cima”. Para muitos, a Lava Jato parecia soprar em outra direção ao pôr atrás das grades gente grande, com vasto prestigio social e poder econômico. Muitos saudaram o “fim da impunidade”.
No entanto, daqui a algum tempo, quando olharmos para trás e verificarmos que os operadores e delatores, responsáveis diretos pelo saque à Petrobras, terão saído ilesos de todo esse processo, qual saldo teremos? O que ficará para as próximas gerações? Que exemplo será dado ao final de tudo isso?
Os sinais que vêm sendo dado pelos acordos de delação no âmbito da Lava Jato não parecem apontar para uma mudança na cultura política do país. O que vemos é luta política escancarada, mobilizando instituições fundamentais ao equilíbrio da República, além do risco evidente de que, no fim das contas, prevaleça a esperteza de alguns premiados pela justiça.