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Em texto, filha de José Genoino conta como sua mãe tem lidado com a situação do ex-presidente do PT
Por Miruna Genoino
[caption id="attachment_42900" align="alignleft" width="288"] Após prisão de Genoino, o cotidiano de toda a família foi alterado, mas, todos seguem juntos ao lado do pai[/caption]
O sinal indicando que o telefone estava chamando tocou uma, duas, três vezes. No quarto toque, a voz dela:
- Alô?
- Mamãe, é a Mimi, o que aconteceu com o papai?
- Calma Mimi, está tudo bem. Fique aí, fique tranquila, ele passou mal, mas está sendo cuidado. Ele está bem.
Ele não estava bem. Mas ela não sabia. Ele, é claro, meu pai, ela, essa mulher indescritível, Rioco Kayano, minha mãe. Foi ela que ficou ao lado do meu pai durante as 15 horas que separaram a primeira dor da dissecção da aorta, da entrada para o centro cirúrgico. Foi ela que sentou como pôde do lado dele na ambulância, na cadeira lateral onde seus pés encaixavam como dava, aguentando firmemente com a força de seu olhar, todo o trajeto de subida da serra de Taubaté, rumo a São Paulo. Foi ela que, quando soube que era grave, muito grave o que meu pai tinha, conseguiu tirar forças de não sei onde para me dizer: "Mimi, acredite no seu pai, ele vai aguentar. Se você aguentar, ele vai aguentar".
Ele aguentou.
Era uma mochila toda ilustrada com mapas. Nem pequena, nem grande, mas leve, fácil de carregar. Estava assim de ladinho no ombro dela, encostando na camisa polo laranja. A mão que segurava a mochila, era pequena, mas forte, e firme. Veio descendo, descendo, encontrou a grade e disse: "Eu me despedi do papai, ele está forte, chegou a hora, a gente se preparou para vencer essa, a gente vai vencer". Minha mãe. De novo. Na porta da polícia federal em São Paulo, quando meu pai foi preso.
Daquele dia em diante a mochila ilustrada junto com a sua dona nunca mais voltou para morar em São Paulo. Porque desde que meu Genoino pai foi preso minha Rioco mãe está guerreira, colossal, do lado dele, segurando todas as cordas que vão arrebentando, e costurando com sua paciência e tenacidade nipo-brasileira, cada fiozinho que parece que vai se soltar. É muito, muito difícil vê-la longe daqui, de alguma forma cumprindo prisão domiciliar junto com meu pai. É triste olhar para sua casa que agora eu habito, e ver suas linhas e panos solitários, sem a mão bordadeira para transformar... é desgarrador ver suas pinturas colocadas em tantas paredes da casa, sabendo que as mãos firmes da nossa baixinha não puderam nunca mais voltar ao ateliê onde ela se realizava entre telas, pincéis e cores, tantas cores.
A minha mãe é uma mulher feita de muitas cores, tantas cores que seria impossível descrever qual delas atrai mais as pessoas, as amigas, os colegas, as parceiras de bordado, as irmãs... seus filhos e netos. E seu marido, claro. Eu sinto muita, muita falta da minha mãe aqui do meu lado colocando a cor que eu tanto preciso para seguir em frente com os desafios da vida... mas aguento esse buraco como dá, porque sei que ela é a única pessoa nesse mundo capaz de garantir a saúde de meu pai, e é por isso ela não pode desgrudar dele de jeito nenhum.
Minha mãe e meu pai têm uma história que não é apenas de amor, amor intenso e verdadeiro, daquele que aguenta anos de prisão e separação, mas é também uma história de entrega total e absoluta ao outro, custe o que custar. Na história deles não existe o "talvez", o "será", o "quem sabe". Existe o "vamos". Porque eles sempre olham para a frente, sempre.
É por isso que mesmo sendo tão difícil a situação que vivemos, meu pai consegue de alguma forma se estabilizar com a presença de sua baixinha do lado. É ela que cuida de cada uma de suas refeições, não deixando ele escapar nem por um milímetro dos cuidados que ela elaborou. É ela que organiza como pode a ginástica diária que movimenta de alguma forma o corpo cansado de meu pai. É ela que consegue perceber quando alguns sinais indicam que as coisas estão mais difíceis e é preciso uma ajuda profissional. É a minha mãe que está lá, incondicionalmente, ao lado do meu pai, para que nunca mais ela tenha que ter medo de se realmente pode dizer aos filhos que ele vai aguentar.
Durante estes mais de 90 dias de calvário, a única vez em que fiquei com medo da reação da minha mãe, e que achei que ela não ia aguentar, foi quando soubemos, nos primeiros dias da prisão do meu pai, que ele estava passando mal, com a pressão desregulada, e não existia um tratamento adequado dentro do presídio. Naquele dia ela gritou com lágrimas nos olhos: "Estão querendo matar o Genoino?". Foi de uma dor profunda, profunda...
Eu nunca vou esquecer daqueles olhos. Olhos de amor, de desespero, de angústia. Olhos de alguém que já aguentou de tudo, olhos de uma mulher que é capaz de escalar o mundo para cuidar e ser a companheira incansável do meu guerreiro pai.
Minha mãe está longe, longe... não posso mais almoçar com ela, pedir que ela faça um udon e levar as calças do Luis para costurar (no joelho, sempre no joelho). Ela está longe e não pode ir comigo encontrar a paz de nosso grupo de bordado. Ela está longe e não podemos ser eu e ela, mãe e filha, plenamente. Sofro, sofro demais, mas sei que ela está longe porque está perto, pertinho, grudada, no "Gê" dela, pronta para segurar todas as angústias, firme para dar todos os suportes, forte para ser o ponto de apoio de um homem que se certamente não sucumbiu até agora é também porque sabe que tem o apoio de uma mulher única, especial para além dos limites do possível, que estará do lado dele sempre. E que sempre acredita que ele vai aguentar.
Mamãe, eu te amo muito. Mesmo.