A falácia das armas como proteção – Por Fábio Santos
O assalto ao delegado armado expõe o fracasso da lógica armamentista e escancara a ilusão da segurança baseada na força individual
Na manhã do feriado de 1º de maio de 2025, em pleno bairro nobre da Zona Sul de São Paulo, o delegado e deputado estadual Antônio de Assunção Olim (PP) foi vítima de um assalto à mão armada. Um criminoso solitário, em uma moto, abordou o parlamentar, que conduzia um Ford Landau, e levou seu relógio Rolex. Olim, que representa a figura do homem público armado e treinado, não esboçou reação, e, diga-se de passagem, agiu corretamente, sua escolha foi pela vida. Esse episódio escancara o fracasso da ideia de que armar o cidadão é sinônimo de segurança.
O deputado Olim não é um cidadão comum: é delegado. Ou seja, alguém treinado, conhecedor dos protocolos policiais, e que possivelmente tem acesso e familiaridade com armas de fogo. Ainda assim, viu-se diante da realidade crua que aflige milhares de brasileiros: a violência urbana, que não escolhe cor, classe ou patente. Isso desmonta o discurso que parte da direita brasileira gosta de martelar: “se estivesse armado, teria evitado”. Não teria! E não evitou.
Há anos, a retórica bolsonarista propagou a ideia de que o “cidadão de bem” deveria andar armado para proteger sua família, patrimônio e vida. O resultado, como revelam pesquisas internacionais e dados empíricos, foi o aumento de crimes violentos e acidentes domésticos, especialmente nos lares onde há crianças e adolescentes. O mito do herói armado cai por terra toda vez que alguém preparado (como um delegado) é rendido por um criminoso, sem chance de reação.
Nos Estados Unidos, país símbolo do culto às armas, os dados são incontestáveis: mais armas, mais mortes. Estudos do Journal of the American Medical Association (JAMA) mostram que estados norte-americanos com legislações mais permissivas sobre armamento têm índices significativamente mais altos de homicídios por arma de fogo. Na Nova Zelândia e na Austrália, por outro lado, o controle rigoroso de armas resultou na drástica redução de massacres e homicídios. A equação é simples: menos armas, menos mortes. Só no Brasil a extrema direita insiste em resolver incêndio com gasolina.
Armar a população nunca foi sinônimo de segurança. Na verdade, representa a terceirização da responsabilidade do Estado, transferindo ao cidadão comum o fardo de lidar com o caos. É como se, diante de um sistema de saúde falido, passássemos a ensinar cada brasileiro a fazer cirurgias em casa. A lógica é absurda. A segurança pública deve ser tratada com inteligência, prevenção e justiça social, não com fetiche armamentista, cosplay de caubói e propaganda eleitoreira.
O caso do delegado Olim revela algo ainda mais profundo: o fracasso de uma mentalidade autoritária que vê o armamento como extensão do poder. Quando nem o próprio detentor da autoridade estatal se sente seguro com o que teoricamente o protegeria, algo está profundamente errado. E o erro não está na ausência de reação do delegado (que fez o certo ao preservar a própria vida), mas na falsa crença de que reagir armado é uma solução viável para o crime.
Enquanto seguimos alimentando esse delírio coletivo de que pistolas são amuletos mágicos contra o mal, seguimos enterrando vítimas. Seguimos vendo armas legais virando ilegais pelas mãos do tráfico. Seguimos naturalizando a violência como parte da paisagem cotidiana. Tudo isso sem enfrentar as verdadeiras causas: desigualdade social, falta de investimento em inteligência policial, ausência de políticas públicas de inclusão e educação, e um sistema judiciário seletivo e moroso.
A saída não está nas armas, mas na reconstrução do pacto civilizatório. Segurança pública de verdade se faz com políticas integradas, urbanismo inteligente, educação de qualidade, combate à desigualdade e valorização das forças policiais com treinamento técnico e psicológico. Trocar um Rolex por uma arma é fácil, difícil é trocar um país armado por uma sociedade justa.