A nova Jonestown – Por Carlos Castelo
A proposta seria um terreno de milhares de alqueires no noroeste da Guiana para que Malafaia, Kelmon e Macedo construíssem suas pró-prias terras prometidas
Em 1974, a Guiana, governada pelo primeiro-ministro Forbes Burnham, decidiu que ceder 10.000 hectares de selva amazônica a um pastor chamado Jim Jones era uma boa ideia. O resultado foi Jonestown: um pesadelo tropical onde a fé virou veneno e a utopia acabou em 900 caixões. Agora, em 2025, ninguém mais duvida que os luminares do governo guianense repitam a experiência. Desta vez, o convite iria para três titãs do evangelismo brasileiro: Silas Malafaia, Padre Kelmon e Edir Macedo.
A proposta poderia muito bem ser um terreno de milhares de alqueires no noroeste da Guiana para que Malafaia, Kelmon e Macedo construíssem suas próprias terras prometidas. Longe das leis, dos impostos e da lógica, eles poderiam erguer impérios espirituais, atrair fiéis e, quem sabe, gerar turismo de catástrofe para a Guiana. Pensando bem, quem resistiria a assistir três pastores competindo para ver quem grita “Glória a Deus!” mais alto enquanto a selva vira um reality show de fanatismo?
Silas Malafaia, o leão do púlpito, já deve estar sonhando com sua “Cidade da Vitória em Cristo”, um complexo de tendas climatizadas onde ele possa bradar contra o socialismo, a Netflix e qualquer um que ouse sugerir que Jair Messias não é o Messias. Seus fiéis, armados com Bíblias e fervor, cortariam árvores para construir um palco digno de seu carisma explosivo, com telões em 4K para transmitir seus sermões ao vivo. O pastor, com seu talento para transformar contrassenso em espetáculo, logo teria uma legião de seguidores pagando caro por bênçãos que nunca chegariam. O perigo seria ele decidir que o padre Kelmon é um ortodoxo disfarçado e declarar uma guerra interna na Guiana.
Com sua batina gótica e o dom para discursos que parecem gerados por uma IA com mau contato, Kelmon chegaria com planos para seu “Santuário da Verdade Eterna”. Lá, ele imporia um regime onde todos rezariam de hora em hora, o café seria considerado pecado mortal e qualquer um que usasse celular seria suspeito de pactuar com o demônio. Com sua habilidade de transformar convicção em confusão, ele passaria os dias pregando contra o progresso, a eletricidade e o bom senso. Os fiéis, para tentar entender melhor suas esdrúxulas parábolas, acabariam erguendo uma gigantesca cruz de neon que causaria um apagão no entorno. E Kelmon, claro, culparia Malafaia, chamando-o de protestante herege.
O Steve Jobs da fé, Edir Macedo, transformaria sua fatia da selva no “Reino da Prosperidade”, um megaempreendimento com estúdios de TV, caixas eletrônicos para dízimos instantâneos e uma filial da Record para transmitir cultos globais. Suas ovelhas, seduzidas por promessas de riqueza divina, construiriam torres de vidro enquanto Macedo, com seu sorriso bilionário, contaria os lucros. Ele ergueria uma estátua de si mesmo, maior que a cruz de Kelmon e mais brilhante que os ternos de Malafaia, só para impulsionar seu poder. Macedo, no entanto, com seu instinto capitalista, poderia vender a selva para uma petroleira russa, deixando os outros dois pregando para as araras.
A virtude dessa ideia guianense está na certeza de que o trio não sobreviveria uma semana sem implodir. A selva, coitada, viraria um estacionamento para os jatinhos dos pastores, enquanto os adoradores, famintos e picados por mosquitos, continuariam gritando “amém” na esperança de um milagre que não aconteceria nem à base de boleto bancário.
*Este artigo não reflete, necessariamente, a opinião da Revista Fórum.