OPINIÃO

A direita domina as redes – Por Chico Cavalcante

Diante desse imponderável pântano de emoções, a esquerda erra ao escolher o caminho da razão. Enquanto a direita emociona, grande parte da esquerda insiste em discursos técnicos

Créditos: Marcello Casal Jr/Agência Brasil
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A onda conservadora que varre o mundo — de Trump nos EUA a Meloni na Itália — não é um acidente. É o resultado de uma fórmula que mistura medo, nostalgia e algoritmos.

Greg Power, em Inside the Political Mind, resume: "A política moderna é uma batalha por emoções, não por fatos". E a extrema-direita está vencendo essa guerra.  

Líderes como Bolsonaro e Marine Le Pen - ambos denunciados por crimes em seus respectivos países - transformam inseguranças em narrativas simples: "O inimigo é o outro — sejam imigrantes, elites ou ideologias. E ele te ameaça”. Essa estratégia explora um viés cognitivo: em tempos de crise, o cérebro humano prefere a segurança das respostas claras (mesmo que erradas) a ambiguidades. O resultado? Eleitores trocam projetos por identidade. "Não importa se o discurso é mentiroso; importa se ele ressoa", lembra Giuliano da Empoli em Os Engenheiros do Caos.

Enquanto a esquerda debate ética e linguagem neutra, a direita domina as redes. Enquanto na Índia, fake news no WhatsApp alimentaram linchamentos, no Brasil, bots disseminaram teorias da conspiração e boatos sobre tributação do Pix. Shoshana Zuboff explica: "Plataformas como o Facebook lucram com a polarização — e a extrema-direita é sua cliente ideal". Microtargeting, troll farms e memes banalizam o extremismo, enquanto algoritmos amplificam a raiva.  

Um dos elementos mais alarmantes dessa trama é o que podemos chamar de “saudade tóxica”, o mito do passado perfeito.  
"Make America Great Again" não é só um slogan — é uma promessa de regresso a um tempo idealizado. Viktor Orbán fala da "Grande Hungria"; Giorgia Meloni, da "Itália tradicional". A nostalgia, aqui, é arma política: culpa-se a globalização pela perda de emprego, a diversidade pela "decadência moral".  A modernidade e o presente seriam, então, os algozes de uma memória artificial, fabricada para alimentar um eterno retorno reacionário. 

Diante desse imponderável mente pântano de emoções, a esquerda erra ao escolher o caminho da razão. Enquanto a direita emociona, grande parte da esquerda insiste em discursos técnicos. "Dados sobre redução da pobreza não competem com histórias de medo", alerta Power. O PT, em 2018, focou em estatísticas, enquanto Bolsonaro viralizava com fake news sobre "kit gay".

Esse nevoeiro cognitivo atinge fortemente a economia. O desemprego está no menor nível da série histórica, o crescimento do PIB (Produto Interno Bruto) tem permanecido acima da expectativa e a inflação está no limite da meta, mas nada disso reflete na avaliação positiva do governo ou do presidente Lula. Apesar dos indicadores sinalizarem para o ambiente positivo, a percepção de melhora alcança apenas um quarto da população, conforme o último levantamento do Instituto Datafolha. Essas distorções fazem com que o país figure em segundo lugar no ranking Ipsos Mori de "Percepção errada da realidade", atrás apenas da África do Sul.

O tempo já mostrou que nossa esquerda não sabe como lidar com isso. Ávida por novas narrativas, insiste em números e planilhas e esquece que a empatia do exemplo - de quem está tendo sua vida transformada - seria muito mais persuasiva.

O desafio é claro: ou a política progressista reconecta-se com as emoções reais das pessoas, ou a extrema-direita seguirá ditando o ritmo do século XXI, impondo retrocessos civilizatórias e ameaçando as liberdades civis. A pergunta que fica é: estamos prontos para disputar não apenas votos, mas sonhos? Ou empunhamos novamente a bandeira da esperança ou sucumbiremos ao seu oposto.

A democracia ainda não foi condenada nem a eleição de 2026 está perdida, mas para evitar o pior a esquerda precisa se reinventar. Isso exige retomar a agenda popular, combater a desinformação e oferecer utopias concretas, como avanços na justiça climática e nos direitos digitais. Sobrevivente de derrotas sucessivas, em 2002 a esquerda apostou na esperança, e venceu. É preciso reencontrar esse caminho e humanizar nossa política, como fez Jacinda Ardern na Nova Zelândia, que usou empatia como estratégia; e retomar o contato direto, o corpo a corpo, as rodas de conversa, a disputa nas bases, como fez o Die Linke na Alemanha, que capitaneou o crescimento da esquerda mesmo em meio a uma onda de avanços da extrema direita no continente. 

Só precisamos sair da bolha, disputar o imaginário com imaginação e parar de pregar para fiéis. Esses, já rezam pela nossa cartinha.

*Este artigo não reflete, necessariamente, a opinião da Fórum

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