A cultura, em sua tessitura plural e vibrante, constitui o espírito indômito da nação brasileira. É por meio dela que o povo se reconhece, se reinventa e perpetua suas memórias, tradições e esperanças. Em suas múltiplas manifestações — do batuque ancestral ao verso urbano, do artesanato ribeirinho à arte digital — a cultura revela a alma coletiva do Brasil, espelhando sua diversidade étnica, religiosa, regional e histórica. Como o sangue que corre nas veias de um corpo vivo, a cultura nutre o senso de pertencimento, fortalece identidades e inspira a construção contínua de uma sociedade plural, livre e criativa.
À luz da Constituição Federal de 1988, a cultura não é mero adorno institucional, mas um direito fundamental consagrado no artigo 215, que impõe ao Estado o dever de garantir a todos o pleno exercício dos direitos culturais e acesso às fontes da cultura nacional. O texto constitucional vai além do reconhecimento da cultura como bem coletivo: exige sua proteção e valorização, com especial atenção às manifestações dos diferentes grupos formadores da sociedade brasileira. O Estado, nesse contexto, deixa de ser um espectador para assumir o papel de guardião e promotor da cultura, incumbindo-se de fomentar, apoiar e preservar os bens culturais materiais e imateriais do povo.
A atuação estatal, portanto, deve ser diligente e sensível, traduzindo-se em políticas públicas robustas, mecanismos de financiamento e espaços democráticos de produção e difusão cultural. Ao fomentar a cultura, o Estado não apenas cumpre preceitos jurídicos, mas honra o pacto civilizatório que sustenta a República. Promover a cultura é semear liberdade, cidadania e desenvolvimento humano. Em tempos de esmorecimento ético ou crise social, a cultura permanece como farol da consciência crítica, da resistência e da renovação dos sonhos coletivos — e cabe ao Estado, com mãos firmes e olhos atentos, manter esse farol aceso.
Apesar de o Estado ter um papel fundamental na promoção e no fomento da cultura — seja por meio de políticas públicas, incentivos fiscais ou financiamento direto de iniciativas culturais —, é igualmente essencial a participação ativa da iniciativa privada nesse processo. Empresas que investem em cultura não apenas cumprem um papel social, mas também agregam valor simbólico às suas marcas e ampliam seu impacto na comunidade. Exemplo disso são bancos que mantêm centros culturais abertos ao público, empresas que patrocinam festivais de música e cinema, ou instituições que fomentam a publicação de livros e catálogos de arte. Essa atuação diversificada amplia o alcance das expressões culturais e contribui para a sustentabilidade do setor artístico.
Além disso, famílias com grande patrimônio e renda elevada também têm um papel histórico e crucial nesse cenário. O mecenato europeu durante o Renascimento é um exemplo clássico: famílias como os Médici, em Florença, usaram sua fortuna para financiar artistas como Michelangelo e Leonardo da Vinci, o que foi determinante para o florescimento de uma das fases mais brilhantes da história da arte. Ainda hoje, esse espírito de apoio pode se manifestar de diversas formas: ao transformar um imóvel da família em um espaço cultural, ao patrocinar a produção de obras artísticas, ou ao empregar artistas em projetos empresariais que envolvam criatividade e expressão. Famílias esclarecidas, conscientes do seu papel social, compreendem que fomentar a cultura é também preservar e enriquecer o patrimônio imaterial da sociedade.
Em São Paulo, há algumas famílias com esse espírito de mecenato. Uma delas é a família Capobianco.
O Instituto Capobianco, ícone da cena cultural paulistana, retomou suas atividades em grande estilo, após quatro anos de hiato. Fundado há mais de duas décadas com o objetivo de fomentar a criação, a formação e a circulação das artes cênicas em São Paulo, o espaço histórico reabriu suas portas—e suas cortinas—com a residência artística da renomada mundana companhia, inaugurando um novo capítulo de efervescência criativa e diálogo com o público.
Erguido no início dos anos 1920 pelo engenheiro Remo Capobianco, o casarão de estilo floreal é um testemunho vivo da arquitetura e urbanismo da virada do século XIX em São Paulo. Desde 1999, integra o patrimônio histórico do centro da cidade e abriga uma estrutura cuidadosamente restaurada, agora dedicada às artes cênicas. A sala principal conta com um palco à italiana, 77 poltronas de couro e um sistema de luz e som de última geração; os camarins, dois espaçosos bastidores, foram equipados para receber confortavelmente os artistas; e o subsolo multiuso dispõe de 40 cadeiras avulsas, que podem ser reorganizadas em diferentes formatos cênicos, ideais para experimentações e propostas alternativas.
Julio Capobianco, fundador do Grupo Construcap e idealizador do Instituto, resume a importância deste momento:
“A reabertura do Instituto Capobianco marca um novo ciclo de atuação e diálogo com a cidade. Este espaço, que carrega uma história rica e afetiva, volta com uma proposta clara: ser um centro de formação, criação e circulação das artes cênicas. Iniciamos esse novo momento com uma programação diversa e acessível, que valoriza a escuta, o encontro e a experimentação. E ter a mundana companhia como residente inaugura esse novo tempo com potência — um grupo que traduz a liberdade criativa e o pensamento crítico que queremos ver em cena.”
O primeiro ato deste novo ciclo é a Residência Mundana, um programa de dez meses idealizado e coordenado pelos atores e produtores Aury Porto e Mariano Mattos Martins, que convida o público a acompanhar de perto o processo criativo da companhia. Já estão em cartaz 25 episódios de podcast, dois espetáculos inéditos, mostra de repertório, cursos, ciclos de debates, ensaios abertos, mesas de conversa e sessões de cinema. Desde a sua estreia, em 2007, a mundana companhia já encenou 13 trabalhos e lançou dois livros que documentam seus processos criativos — sempre distribuídos gratuitamente como parte de sua política de acesso à cultura.
Formada por atores-produtores engajados, a companhia nasceu inspirada pela militância do movimento “Arte contra a Barbárie” e hoje se firma como um dos coletivos mais inovadores do teatro paulistano. “Projetamos olhar para o nosso passado, remontando produções recentes, ao mesmo tempo em que inventamos novos caminhos estéticos, dentro e fora do palco”, explica Aury Porto. “Este é um momento de transição — e esperamos que ele sirva de espelho e estímulo para outros coletivos teatrais brasileiros.”
Ao longo desses 20 anos de atuação, o Instituto Capobianco consolidou-se como incubadora de processos criativos, promovendo rigor estético e pluralidade de olhares. A residência mobiliza hoje mais de 90 profissionais — entre artistas, técnicos, pesquisadores, comunicadores, equipes administrativas e de manutenção — e reafirma o compromisso do Instituto com a vitalidade cultural da cidade. “Reabrir um teatro é abrir espaço para novas vozes, para novos corpos, para mais vida”, conclui Mariano Mattos Martins. “.
Aury Porto acrescenta:
“Uma Residência Artística nos moldes dessa que vamos realizar nos próximos meses junto ao Instituto Capobianco é rara na história do teatro brasileiro. Essa experiência chega num momento em que a mundana companhia se propõe a olhar para seu passado através da remontagem de algumas produções recentes, ao mesmo tempo que se projeta no futuro com novas invenções dentro e fora da cena. Tomara que esse nosso momento de transição seja útil, de algum modo, para outros coletivos artísticos desse país claudicante.”
Fique atento à programação completa no site do Instituto Capobianco e garanta seu lugar nesta celebração contínua da arte e da convivência em São Paulo. As sessões estão acontecendo às sextas, sábados e domingos, sempre às 20h, ao longo dos dez meses de residência.
*Este artigo não reflete, necessariamente, a opinião da Fórum