OPINIÃO

Preconceito contra israelenses: cidadãos não podem ser responsabilizados por atos de seu governo – Por Ana Beatriz Prudente Alckmin

"Rotular uma nacionalidade como 'boa' ou 'má' é cair em uma armadilha perigosa, que desumaniza e apaga a complexidade dos indivíduos"

O passaporte israelense.Créditos: Welcome Israel/Divulgação
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Em qualquer país do mundo encontraremos pessoas com os mais diversos posicionamentos diante da vida, com filosofias, crenças e modos de existir que se entrelaçam e, muitas vezes, se contradizem. Isso se intensifica ainda mais em democracias, onde a pluralidade de pensamento é não apenas permitida, mas incentivada. É um erro grave e simplista imaginar que uma nacionalidade possa carregar em si um perfil homogêneo, como se todos os cidadãos de um país compartilhassem exatamente os mesmos valores, condutas e visões de mundo.

Rotular uma nacionalidade como “boa” ou “má” é cair em uma armadilha perigosa, que desumaniza e apaga a complexidade dos indivíduos. Atribuir caráter, intenções ou moralidade a uma pessoa com base apenas no país em que nasceu é ignorar tudo aquilo que a torna única: sua história, suas escolhas, suas experiências, suas ideias. A nacionalidade é apenas uma característica entre tantas outras e não deve jamais ser usada como parâmetro para definir o valor de alguém ou sua posição no mundo.

Julgar alguém pela sua origem nacional é, acima de tudo, um atestado de ignorância. É se recusar a enxergar o ser humano em sua profundidade e reduzir identidades complexas a estereótipos rasos. Em tempos em que a empatia e o diálogo são tão necessários, é essencial lembrarmos que o respeito às diferenças começa pelo reconhecimento da diversidade que existe dentro de cada povo e cada nação.

Acredito que é um verdadeiro absurdo que pessoas sejam perseguidas ou tratadas com hostilidade por conta de sua nacionalidade. Durante a pandemia da Covid-19, testemunhei com profunda tristeza a forma como chineses foram alvo de falas racistas, piadas crueis e discriminações explícitas, simplesmente porque, na época, se falava sobre uma possível origem chinesa do vírus Sars-CoV-2. A comunidade sino-brasileira sofreu — e continua sofrendo — os efeitos disso. Ainda hoje, turistas chineses enfrentam olhares desconfiados e atitudes hostis em diversas partes do mundo.

Agora, vejo algo semelhante acontecer com os turistas israelenses. Devido às atitudes e posicionamentos do governo de Israel, muitos cidadãos israelenses vêm sendo tratados com rejeição em viagens ao exterior, como se representassem automaticamente as decisões políticas de um governo específico. Mas é fundamental lembrar: cidadãos não podem ser responsabilizados pelos atos de seus governos. Perseguir indivíduos por sua nacionalidade não é apenas injusto — é preconceito e xenofobia. 

 

Turistas nigerianos e de outros países africanos frequentemente enfrentam discriminações no exterior. Às vezes por razões políticas, mas muitas vezes simplesmente por serem pessoas negras. O mesmo vale para asiáticos e judeus. Estou falando de três grupos historicamente marginalizados e não-brancos. Asiáticos não são brancos. Judeus formam uma etnia específica, que não compõe a branquitude tradicional. Africanos pretos, evidentemente, não são brancos.

Portanto, é preciso perguntar: será que, por trás da "rejeição à nacionalidade", não está escondido o velho e persistente racismo contra os não-brancos? Disfarçado de opinião ou patriotismo, o racismo encontra novas formas de se expressar — e nós precisamos estar atentos para não sermos cúmplices, ainda que por omissão.

Reafirmo de forma inequívoca que a discriminação contra indivíduos com base em sua nacionalidade constitui uma violação grave dos direitos humanos e deve ser repudiada em todas as esferas da convivência humana. A nacionalidade, enquanto atributo jurídico que vincula o indivíduo a um Estado, não pode ser utilizada como critério de exclusão, perseguição ou julgamento moral. Criminalizar ou marginalizar pessoas por sua origem nacional é uma forma sutil — e muitas vezes legitimada por discursos políticos — de racismo institucional.

O Direito Internacional dos Direitos Humanos, especialmente após a adoção da Declaração Universal dos Direitos Humanos (1948), consagrou o princípio da igualdade e da não discriminação como pilares da dignidade humana. O artigo 2º da Declaração estabelece que "toda pessoa tem capacidade para gozar os direitos e liberdades [...] sem distinção de qualquer espécie, seja de raça, cor, sexo, língua, religião, opinião política ou de outra natureza, origem nacional ou social, riqueza, nascimento ou qualquer outra condição." Este dispositivo é reiterado por tratados vinculantes, como o Pacto Internacional sobre Direitos Civis e Políticos (1966), o Pacto Internacional sobre Direitos Econômicos, Sociais e Culturais (1966), e a Convenção Internacional sobre a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação Racial (1965), esta última explicitamente abrangendo a discriminação por nacionalidade.

Não se pode imputar responsabilidade coletiva aos cidadãos por atos praticados por governos. Tal lógica é incompatível com o princípio da individualização da responsabilidade — basilar tanto no direito penal quanto na responsabilização internacional. Estigmatizar pessoas por sua nacionalidade implica em negar-lhes a proteção jurídica universal e submeter-lhes à lógica da punição coletiva, prática expressamente condenada por diversas normas internacionais.

O medo de revelar a própria nacionalidade por receio de retaliação, hostilidade ou exclusão social é um indicador claro de que há um ambiente de opressão e discriminação. Isso configura uma violação do direito à identidade, do direito à igualdade e da liberdade de expressão. Quando o simples fato de possuir cidadania de um país específico transforma-se em motivo de perseguição, há uma transgressão direta ao direito à dignidade humana.

Neste sentido, afirmo que a perseguição de indivíduos com base em sua nacionalidade configura uma forma de racismo, uma prática que deve ser combatida com rigor, tanto no campo jurídico quanto no campo ético e político. O racismo, em todas as suas manifestações — inclusive a xenofobia disfarçada de crítica geopolítica —, corrói os princípios de convivência democrática e humanitária. A cidadania de um determinado país não pode jamais ser critério para negar humanidade a alguém.

Portanto, comprometo-me com a defesa intransigente do princípio da não discriminação, com base no entendimento de que todos os seres humanos têm direito à igual proteção da lei e ao respeito de sua dignidade, independentemente de sua nacionalidade. Promover o respeito à diversidade humana é uma exigência não apenas moral, mas jurídica e civilizatória.

*Este artigo não reflete, necessariamente, a opinião da Fórum

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