Eu estava dentro de um trem, indo de Milão para Turim, quando recebi às 10h02 (5h02 no horário de Brasília), 17 minutos após o anúncio oficial do Vaticano, a informação sobre a morte do Papa Francisco, que falecera às 7h45 de 21 de abril. Instantes depois, os passageiros que iam no mesmo comboio também passaram a ser informados por amigos e familiares, ou acessando jornais locais pelo celular. O clima era estranho, afinal, um papa representa muito mais para a Itália do que para qualquer outro país.
Nas horas que se seguiram, o que se viu foi uma avalanche de pronunciamentos vindo de praticamente todos os cantos da Terra. Chefes de Estado, de governo, ex-governantes, líderes políticos, sacerdotes de diferentes religiões, cristão, muçulmanos, judeus, hindus, budistas, enfim, o planeta sinalizava com deferência para o argentino de 88 anos que deixava a vida naquele momento e marcaria então, de forma definitiva, seu nome na História como um sujeito de bondade imensa.
Donald Trump, homem mais poderoso do mundo e também uma alma abjeta, o chamou de “homem bom” e citou suas ações pelos menos favorecidos, caminho repetido por seu vice, JD Vance, uma figura ultrarreacionária que chegou a pregar abertamente contra ensinamentos de Francisco. Na Itália, Giorgia Meloni, a primeira-ministra de extrema direita e simpatizante notória do fascismo, também o mencionou de forma carinhosa, mesmo sabendo o que o Bispo de Branco pensava dela. Nesse sentido, seguiram-se pronunciamentos de respeito extremo ao Papa vindos da Rússia, de Israel e de países do Oriente Médio, todos que em algum momento foram criticados pelo pontífice. Seu papel e seu caráter estavam acima de todas as questões.
Até Javier Milei, o presidente atual da Argentina, mesmo que contrariado, até mesmo por ser quem é (um extremista inescrupuloso e mau), viu-se impelido a elogiar Francisco e a prestar condolências por sua partida, evitando assim quaisquer rusgas.
Mas Jair Bolsonaro e o bolsonarismo? Bem, antes de chegar neles, é de bom tom citar algumas coisas sobre o recém-falecido Bispo de Roma, para o caso de haver algum desavisado que não saiba de quem estamos falando.
Jorge Mario Bergoglio, que adotou o nome de Francisco em 2013, foi um jesuíta nascido na América Latina, homem de uma grandeza singular. Ligava todos os dias pela manhã para o padre Gabriel Romanelli, sacerdote responsável pela paróquia e pela comunidade cristã de Gaza, que mesmo sob intenso bombardeio e arriscando sua vida o tempo todo leva os ensinamentos de Jesus Cristo em meio ao terror.
O mesmo Francisco recusou-se a atacar os homossexuais e transexuais durante uma entrevista num voo que o conduzia a uma viagem oficial. “Se uma pessoa é gay e procura Jesus, e tem boa vontade, quem sou eu para julgá-la?”, respondeu à correspondente brasileira em Roma, Ilze Scamparini, completando ainda que no seu papel de pastor máximo do rebanho católico é sempre necessário fazer uso de uma “teologia do pecado”. “É importante uma teologia do pecado. Penso em São Pedro que cometeu um pecado grave: renegou Jesus. E mesmo assim foi feito papa”, completou.
Francisco era um sujeito magnífico em sua sabedoria, incontornavelmente bom em sua essência e compadecido com os males e sofrimentos do mundo. Abraçava doentes terminais e com enfermidades graves e contagiosas, consolava e beijava miseráveis sujos e maltrapilhos, não fazia qualquer distinção em termos humanos com relação a cristãos ou não cristãos, assim como entre crentes e ateus.
“É melhor ser ateu do que um católico hipócrita”, disparou certa vez. Ele chegou a consolar um menino que chorava muito numa missa após perder o pai, e que contou ao Santo Padre que o falecido era “uma boa pessoa”, mas ateu, temendo assim que ele tivesse ido para o inferno. “Deus não abandona as pessoas boas”, respondeu à criança, sem fazer qualquer proselitismo, barato ou sofisticado. Francisco foi uma das máximas representações da bondade de Jesus Cristo de Nazaré.
Retomando ao tema do bolsonarismo e de seu líder, a morte de Francisco acabou por trazer uma revelação ao mundo e, sobretudo, aos brasileiros. Tratar-se de uma seita absolutamente irracional que trafega num campo minado por desrespeito e pura maldade. Sim, gente má.
O próprio Jair Bolsonaro, não podendo ignorar a morte de Francisco (para sinalizar às suas franjas católicas radicalizadas, mas também para surfar no grande assunto mundial), fez menção ao pontífice, mas sem escrever ou pronunciar seu nome, restringindo-se a usar uma expressão patética: “figura do Papa”. Não dava para esperar muita coisa de alguém que, tendo a vida salva por uma governadora rival que enviou um helicóptero para socorrê-lo, preferiu agradecer aos PMs que pilotaram a aeronave.
Seus correligionários graúdos, entre eles um ex-ministro de Estado e um deputado federal de linha de frente, fizeram piadas com a morte de Francisco, apelando para trocadilhos e imagens grotescas feitas com a ajuda de Inteligência Artificial. Isso para não falar no grosso da matilha eleitoral que venera o ex-presidente.
Nas redes, desde as primeiras horas após o anúncio da morte do Papa, toneladas e toneladas de insultos contra Francisco foram disseminados, algo completamente diferente e único se comparado com setores até mesmo da extrema direita de outros países, que por óbvio não se entristeceram com a notícia, mas que mantiverem o mínimo de humanidade, mesmo que falsa, ao se referir a uma figura com tamanho relevo.
Outra vez o bolsonarismo se mostra desumano e baixíssimo. Uma tralha humana forjada nos “valores” mais nojentos e nauseabundos de um elemento sórdido que se engrandeceu distribuindo ódio em estado bruto gratuitamente contra aqueles que não fazem parte da seita controlada por ele. Outra vez, como na pandemia e em vários eventos históricos, a súcia seguidora de um desequilibrado colocou o Brasil como alvo de críticas por sua incivilidade e falta de bom senso.