CRÔNICA

Nomes – Por Luis Cosme Pinto

O nome do dono na porta da loja é um jeito de dizer: “vem que eu garanto”

Créditos: Luis Cosme Pinto
Escrito en OPINIÃO el

O bisavô operário. O avô pedreiro. O pai mestre de obra. Ele, primeiro a ter diploma na família, prometeu que levantaria prédios de apartamentos e com um detalhe:  todos teriam nome de mulher.

O jovem engenheiro começou do começo, pela letra A. O primeiro prédio chamou-se Alice. Depois, Beatriz, Clarice, Dinorá, Elizabete. Em pouco tempo – sempre em ordem alfabética - já tinha chegado à Zelda. Décadas depois, a tradição persiste com nomes contemporâneos: Tamires, Raiane, Jamile.

Nomes de mulher são casa e são caminho. Em São Paulo, se a gente desce a Augusta cruza a Lorena, se sobe a Consolação chega à Maria Antonia.  

Esbarro, encontro e desvio de outros nomes. Perto de casa tem o atelier da Regina, a ótica Vitória, a Vidraçaria da Dirce, a papelaria da Ivete. É um jeito de dizer à freguesia: “Venha, é meu nome que está em jogo.”

Todos sabemos como é penoso falar com os robôs da empresa que fornece água, mais ainda com a de energia ou com a de internet. Experimente telefonar para o banco em que tem conta ou para empresa que entrega as compras digitais. Não há nomes, no máximo, senhas, protocolos, aplicativos. Um labirinto.  

É muito diferente no Bar da Bete, na Casa de Samba da Dona Tati, na padaria Iracema, no sushi da Lika, no frango da dona Reyko.  Em todos eles você está diante da dona, ou de alguém da família. Pode reclamar, elogiar, sugerir. “O cliente tem sempre razão” é o primeiro mandamento de quem tem o nome e a honra na porta.

Nome limpo ainda é patrimônio. Na Vila Buarque, a graça do dono é cartão de visita. Lá estão o salão do Ed, a sapataria do Amílcar, o chaveiro Jair; são vizinhos do Auto Elétrico Cláudio, dos artigos religiosos do Nenê, do sebo do Bruno, do Miguel Colchões.

Houve um tempo em que as lojas em vez do nome exibiam sobrenome. Algumas resistem até hoje e o tipo de comércio revela que não começaram ontem. A quitanda do seu Almeida, a marcenaria da família Nogueira, Lopes Despachante, a barbearia do Ferreira, Vitório Encadernações, Empório Nonô.

Curioso, já perguntei por que esconder o primeiro nome. “Se todo mundo vem cortar no Ferreira, por que vou dizer que me chamo Aprígio?”. Não há o que discutir com o veterano barbeiro.  

Nomes podem nos levar a viagens inesquecíveis.

Guardanapo de Malveira, Travesseiro de Sintra, Pastel de Santa Clara, Gracinha de Cascais...  não se engane, os doces portugueses têm  berço e agente lembra com o céu da boca. Imagine se fossem chamados apenas de folheados, de confeito, de torta. Com a potência do nome composto se tornam sobremesas à altura de todas as crases de um filé à Osvaldo Aranha, Bacalhau à Gomes Sá, Fettuccine à Alfredo. 

Um velho português, com nome de imperador - o Constantino – aqui chegou adolescente e analfabeto. Estudou, trabalhou e descobriu “o tesouro dos tesouros”: uma fábrica de gravatas. Tão populares quanto são hoje as tatuagens, as gravatas eram obrigatórias para os adultos e também faziam parte dos uniformes de escola.

Homens e meninos, todos usavam. Borboleta ou tradicional, estampadas ou sóbrias, de seda ou poliéster, ninguém saía sem.

Antes de montar o galpão e comprar as máquinas, Constantino escolheu o nome numa noite de insônia. FÁBRICA DE GRAVATAS BRASIL.

Nunca se soube ao certo o motivo. Talvez desejasse levar suas gravatas para todo o país em um projeto ambicioso. Mas também podia ser homenagem à terra nova que presenteou o jovem imigrante com o amor de Noêmia, dois filhos e o direito de sonhar uma vida brasileira.

Constantino era meu avô e acreditava no carisma de um nome bem escolhido. Tão sublime  quanto o brilho sedutor de suas gravatas.

*Luis Cosme Pinto é autor de Birinaites, Catiripapos e Borogodó. O livro foi semifinalista do prêmio Jabuti 2024.

**Este artigo não reflete, necessariamente, a opinião da Revista Fórum.

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