PASSADO E PRESENTE

“Flow”: animação vencedora do Oscar é um triste poema sobre a destruição da Terra

Assim como “Ainda Estou Aqui”, a produção da Letônia é um alerta para as tragédias do passado e do presente que podem nos levar à ruína em um futuro não muito distante

“Flow”: animação vencedora do Oscar é um triste poema sobre a destruição da Terra.Créditos: Divulgação
Escrito en OPINIÃO el

“Flow” e “Ainda Estou Aqui” venceram como as melhores produções do mundo em suas respectivas categorias no Oscar - Animação e Melhor Filme Internacional - por, além de todas as suas qualidades técnicas, terem conseguido captar e colocar na tela o espírito e a tragédia que marcam o nosso tempo: a barbárie climática e a ameaça autoritária que volta com força em diversas regiões do mundo.

Mas, antes de seguirmos na correlação entre “Flow” e “Ainda Estou Aqui”, vamos entender um pouco da trama da animação da Letônia.

Um mundo em ruínas

Nos primeiros momentos de “Flow”, acompanhamos o Gato - que hoje, sem sombra de dúvidas, é o gatinho preto mais famoso do mundo e até ganhou uma estátua na capital da Letônia - que perambula pela mata perto de seu lar. Em determinado momento, ele se vê cercado por cachorros e inicia uma fuga, que é interrompida por uma imensa onda que inunda e destrói tudo ao redor.

Uma inundação apocalíptica toma conta da região onde o Gato vive, e ele é obrigado a se juntar a outros animais e iniciar uma jornada de sobrevivência. Aos poucos, o protagonista da trama e seus novos amigos se dão conta de que tudo ao redor está morrendo e que eles deverão caminhar para algum lugar… um lugar que não existe mais.

Nesta jornada pós-apocalíptica, “Flow” desenvolve uma enorme reflexão sobre a maior herança que os humanos têm legado a todas as outras espécies: destruição, morte e perda de habitat.

Dessa maneira, “Flow” é um triste poema sobre a destruição da Terra pelos humanos e, claro, uma densa reflexão sobre a morte.

A barbárie climática e a ameaça autoritária

Como dito na abertura deste texto, “Flow” e “Ainda Estou Aqui” venceram no Oscar como as melhores produções do mundo em suas respectivas categorias fora dos EUA porque conseguiram, de maneira magistral, captar o espírito e a tragédia do nosso tempo. Soma-se a isso o excelente trabalho técnico de ambas as produções, que deixaram orçamentos imensos para trás e se tornaram os grandes destaques do Oscar 2025.

Mas de que maneira “Flow” e “Ainda Estou Aqui” captaram o espírito e a tragédia de nosso tempo?

“Ainda Estou Aqui” fez uma trajetória de sucesso até o Globo de Ouro, quando Fernanda Torres foi premiada como Melhor Atriz em Drama e, logo depois, recebeu três indicações no Oscar, incluindo a de Melhor Filme. Com isso, toda a crítica dos EUA foi atrás de tomar conhecimento sobre a obra dirigida por Walter Salles, e o filme se tornou um fenômeno e ocupou mais de 700 salas de cinema estadunidense.

Dia após dia, “Ainda Estou Aqui” foi conquistando os principais críticos dos EUA que, além de ficarem maravilhados com a atuação de Fernanda Torres, encontraram, na trágica história da família Paiva, um reflexo do atual momento dos Estados Unidos e da Europa: o autoritarismo e a corrosão da democracia com a volta de Trump ao poder.

“Ainda Estou Aqui” serviu de alerta para estadunidenses e europeus sobre o perigo do autoritarismo e dos grupos extremistas que voltaram a assombrar as democracias liberais, que hoje agonizam diante da ascensão da extrema direita em diversas regiões do mundo.

Por sua vez, “Flow” traçou um caminho muito semelhante ao de “Ainda Estou Aqui”: ao longo das premiações, derrotou as produções milionárias da Disney e da Universal, também venceu o Globo de Ouro e foi indicado ao Oscar de Melhor Animação. O gato do longa se tornou um fenômeno em seu país e no mundo.

Se o filme de Walter Salles consegue, a partir de uma história sobre uma família destruída pela ditadura brasileira (1964-1985), alertar para a permanência da violência policial e do perigo do retorno das autocracias, “Flow”, escrito e dirigido por Gints Zilbalodis, nos mostra, a partir de seu simpático protagonista, que o tempo está se esgotando quando falamos de medidas para barrar a barbárie climática… na verdade, o tempo já se esgotou.

O que torna ainda mais trágico o percurso e a trama de “Flow” é que, dias antes da Academia anunciar os indicados ao Oscar, Los Angeles foi engolida pelas chamas, bairros inteiros foram tragados pelo fogo, assim como o mundo do gatinho preto do filme letão foi engolido por um grande dilúvio.

“Ainda Estou Aqui” e “Flow” se tornaram fenômenos porque conseguiram mostrar, a partir de uma linguagem quase universal, que a destruição da Terra e das democracias tem um responsável: os humanos. Além disso, o desenho letão desenha - literalmente - para nós que, se perdemos de vista a coexistência entre as diferentes formas de vida, a única coisa que pode resultar é a ruína definitiva do mundo… será que ainda dá tempo?

 

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