Na semana passada estreou, na Netflix, a minissérie “Adolescência”, criada por Philip Barantini. A produção tem feito não só enorme sucesso, mas tem levantado um importante debate sobre a misoginia, a cultura incel e toda a rede virtual de ódio às mulheres, que influencia de forma extremamente nociva meninos e homens.
O que faz um jovem garoto de classe média, vindo de uma família amorosa, se tornar um potencial agressor ou assassino? Qual é a responsabilidade que cabe aos pais, às redes sociais e aos governos para a vigilância e controle dessa teia de ódio? Essas são algumas questões que ficam na nossa cabeça após assistir os quatro episódios incrivelmente bem feitos de “Adolescência”.
Tragicamente, a realidade retratada na minissérie é algo sistemático, que está se enraizando com cada vez mais força na nossa sociedade. No dia 9 de março, a jovem Clara Maria Venancio Rodrigues, de 21 anos, foi assassinada por dois amigos em Belo Horizonte. Embora a polícia tenha afirmado que a motivação para o crime tenha sido uma dívida de 400 reais, que um deles devia à Clara Maria, todos os amigos que conviviam com eles afirmaram categoricamente que os assassinos estavam incomodados com as visões políticas da jovem, que chegou a repreender um deles por banalizar o nazismo nas redes sociais.
O assassinato de Clara Maria se junta a outros tantos, cada vez mais frequentes, de mulheres jovens - ou mesmo meninas, crianças e adolescentes - sendo mortas por homens ou meninos da mesma faixa etária. Crimes que são diretamente influenciados pela relativização da violência contra as mulheres nas redes sociais, onde o “meme” e a “piada” vão naturalizando a desumanização de pessoas do gênero feminino.
Aqui, no estado do Rio de Janeiro, o número de feminicídios cresceu 8% em 2024. Foram 107 mulheres, mortas apenas por serem mulheres e, justamente por isso, serem objetificadas e desumanizadas pelos homens que as cercam. Também em 2024, no Rio, foram realizadas mais de 5 mil denúncias de estupro; 300 a mais que em 2023, segundo dados do Instituto de Segurança Pública.
As violências de gênero ainda estão completamente enraizadas na nossa sociedade, apesar dos esforços dos movimentos feministas. Enquanto vereadora, aprovei, em abril de 2022, o Programa Municipal de Enfrentamento ao Feminicídio, que prevê uma série de medidas e iniciativas para a proteção das mulheres cariocas. Ações na segurança, na saúde, na educação e na assistência social poderiam ser fundamentais para reduzir os índices de violência de gênero. Porém, há três anos a lei não é implementada pela prefeitura do Rio.
Aparentemente, proteger as vidas das mulheres cariocas não é uma prioridade para o prefeito Eduardo Paes. Enquanto os índices de feminicídio crescem, o Programa de Enfrentamento ao Feminicídio não é implementado na cidade. Até quando a segurança das mulheres será secundária?
“Adolescência”, da Netflix, mostra como os jovens estão sendo bombardeados, cada vez mais cedo, com conteúdos de desvalorização das meninas e mulheres. A cultura misógina é uma realidade, e tem ganhado cada vez mais contornos. Cada vez mais aderência. O poder público, seja no nível federal, estadual e municipal, precisa agir. E é urgente que gestões que se dizem “democráticas” ouçam os movimentos feministas e entendam, de uma vez por todas, que as vidas das mulheres, assim como os direitos das mulheres, não podem ser negociados ou menosprezados. Nos queremos vivas!
*Este artigo não reflete, necessariamente, a opinião da Revista Fórum.