Salvador na lista suja do trabalho escravo? – Por Jailton Andrade
Foram resgatados 303 ambulantes escravizados no circuito Barra-Ondina, segundo o Ministério do Trabalho e Emprego
Ao que tudo indica, pela primeira vez na história do Brasil um município entrará para a Lista Suja do Trabalho Escravo criada e atualizada pelo Ministério do Trabalho e Emprego.
É Salvador. E o motivo é o fato de a prefeitura ter, segundo o MTE, atuado em conluio com a cervejaria AMBEV para escravizar ambulantes no carnaval da cidade. Em virtude disso também, o prefeito Bruno Reis, além do crime de redução do trabalhador à condição análoga à de escravo, prevista no art. 149 do CP, pode ter cometido crime de responsabilidade.
O ineditismo também está no fato de que, se não distorcerem a realidade dos fatos apresentados pelo MTE, 4.500 ambulantes receberão salário e direitos por terem trabalhado para a AMBEV no carnaval por intermédio da prefeitura, além de indenização pela escravidão. Como é que chama isso? É justiça né?
No dia 15 de março de 2023, durante uma audiência publica organizada pelo vereador Augusto Vasconcelos para tratar da situação dos Cordeiros e ambulantes no carnaval de Salvador, Rosimário Lopes, o presidente da Associação de Ambulantes e Feirantes de Salvador declarou que a prefeitura esquece dos ambulantes e cordeiros nos contratos de patrocínio. “É lamentável como a gente vê que as pessoas fazem um contrato, traz patrocínio pra melhorar recurso pra cidade pra fazer o melhor carnaval do planeta, e os cordeiros e ambulantes ficam abandonados”. Segundo ele, os ambulantes não tem banheiro digno, tem que dormir na rua e são escravizados pela AMBEV. “Essas pessoas [os ambulantes] são os verdadeiros empregados dele sem direito a nada” e completa dizendo que “essas pessoas precisam, de fato, aprender a gostar de gente”.
Essas pessoas que precisam aprender a gostar de gente, são as pessoas da prefeitura de Salvador e da AMBEV, que foram flagrados por auditores fiscais do MTE escravizando ambulantes no carnaval dos 40 anos do Axé.
Foram resgatados 303 ambulantes escravizados no circuito Barra-Ondina, segundo o órgão, por essas pessoas.
303 pessoas, mas sabemos que foram muito mais, mas a auditoria fiscal do MTE tem suas limitações de pessoal. Aliás o próprio prefeito, em entrevista, afirmou que foram 4.500 ambulantes credenciados e submetidos, naturalmente, às mesmas condições dos 303 resgatados.
Nessa entrevista em que o prefeito é chamado a comentar a denuncia de trabalho escravo feita pelo MTE, Bruno externa sua irritação e diz que “estão querendo politizar o assunto”, mas pra se defender começa dizendo que o MTE “é um ministério petista”.
Agora imagine um governo do Partido dos Trabalhadores e o Ministério do Trabalho não ser dirigido pelo partido. Ainda bem que é do PT, porque se fosse do União Brasil o ministro seria o Rei do Lixo e só haveria uma categoria de trabalhador.
O prefeito gosta tanto de ambulantes que o prêmio dado a eles pelos serviços públicos prestados, foi entregar 34 quiosques e 70 tendas na orla de Salvador, não aos ambulantes soteropolitanos, mas a outro rei, o da praia, lá do Rio de Janeiro. Mas nos microfones continua a afirmar que cuida de ambulantes na capital do desemprego.
Mas o nervosismo do prefeito é compreensível. Primeiro por que, graças a ele, Salvador será a primeira cidade do Brasil a entrar para a Lista Suja do Trabalho Escravo; segundo, porque, devido ao seu conluio com o Jorge Lemman da AMBEV, Bruno pode ser condenado pessoalmente pelo crime de redução à condição análoga à de escravo, bem como por crime de responsabilidade de prefeitos, que pode cassar seu mandato e deixa-lo inelegível por 8 anos. Isso sem falar nos crimes contra a economia popular, contra a concorrência, contra o consumidor. E terceiro porque expõe o criador do monopólio da cerveja no nosso carnaval, o seu padrinho ACM Neto, lá em 2014.
Mas como funcionou esse esquema? A cervejaria AMBEV, de propriedade de Jorge Lemmam (aquele das Americanas, lembra?) fez um acordo com a Prefeitura de Salvador para divulgar suas marcas e garantir que elas fossem as únicas consumidas nos circuitos do carnaval. A prefeitura por sua vez, para cumprir esse contrato a que se obrigou e receber o dinheiro da AMBEV, credenciou 4.500 ambulantes tendo o prefeito em seguida emitido o Decreto nº 39.872 em 20 de fevereiro de 2025 determinando que os ambulantes só poderiam “divulgar as marcas, distribuir, vender, dar publicidade ou realizar propaganda de produtos e serviços, bem como realizar outras atividades promocionais ou de comércio de rua relacionadas aos Patrocinadores Oficiais.”
E para garantir essa ordem, o prefeito, no mesmo decreto, criou uma Força Tarefa formada pela SEDUR, SEMOP, GCM e SALTUR dando poder de polícia. Esse RAPA carnavalesco tinha o poder de cassar o alvará e apreender as mercadorias dos ambulantes que descumprissem essas determinações.
Isso evidencia que não foi somente da AMBEV a responsabilidade pela escravização. Pelo decreto de Bruno Reis, a prefeitura atuou como órgão gestor de mão de obra, agenciando trabalhadores para a AMBEV por meio do credenciamento de ambulantes e impondo a eles as condições para a realização do seu trabalho.
Desse modo, as pessoas envolvidas nesses crimes, tanto da prefeitura de Salvador, como da cervejaria AMBEV dever ser responsabilizadas administrativa, civil e criminalmente, bem como os 4.500 ambulantes atraídos pela prefeitura, pela nítida formação de vínculo trabalhista, devem receber, salários, horas extras e demais direitos, além de indenização pela escravização.
**Este artigo não reflete, necessariamente, a opinião da Revista Fórum.