O biscoito vende mais por que é fresquinho ou é fresquinho por que vende mais? A frase entrou para a história da propaganda brasileira inspirada em um dilema universal: o ovo ou a galinha, quem nasceu primeiro?
Nas redações, jornalistas comentam sobre algumas emissoras de TV e seus programas sensacionalistas: “Os canais apresentam uma enxurrada de casos de violência para aumentar a audiência ou o público gosta de ver casos de violência o que faz as emissoras insistirem nessa programação?“
Seja qual for a resposta, é uma pena que temas importantes e informações úteis para a população fiquem de fora do noticiário porque todo o tempo do telejornal é dedicado aos detalhes escabrosos de uma chacina ou às minúcias de uma briga de casal, que terminou na delegacia.
Escrevo com a consciência de quem trabalhou mais de 30 anos em telejornalismo. Nem sempre as notícias que escolhi, ou ajudei a escolher, foram as mais acertadas.
Histórias policiais, com investigação, mistério e suspense, sempre fizeram sucesso. Mas, inventadas ou verdadeiras, em livros ou jornais, só brilham quando bem escritas e bem apuradas. Dá trabalho, custa caro e nem sempre o público aprova. Por isso, a solução (péssima) de algumas TVs é apelar ao mais fácil.
De bandoleiros a cangaceiros e até piratas, além dos batedores de celulares e criminosos de gabinete o Brasil e o mundo estão cheios. Alguns ganharam fama mais pelos apelidos que pelos crimes.
Bandido da Luz Vermelha, Cara de Cavalo, Fernandinho Beira-Mar, Maria do Pó; e também Escadinha, Veludo, Caipira. Quem inventou tudo isso?
Semana passada, ouvi falar do Peixão. O homem mais procurado do Rio.
Um caso real, de provocar inveja a quem vive da ficção. Em Parada de Lucas, vizinha de Vigário Geral, esconde-se Peixão, o traficante Álvaro Malaquias, chefe do TCP – o Terceiro Comando Puro.
A região, endereço de mais de 100 mil trabalhadores, é chamada de Complexo de Israel. Num ponto bem alto, em cima de uma caixa d’água, Peixão mandou fixar uma enorme estrela de Davi.
E mais: Peixão montou, no meio da comunidade humilde, de casas inacabadas e ruas mal pavimentadas, um resort de alto luxo, com palco pra shows, piscina, lago, academia. DJs se apresentavam até a noite acabar com ingressos a 30 reais para os homens, mulheres entravam de graça.
A PM baixou lá com marretas, tratores, escavadeiras e derrubou tudo. A avenida Brasil foi fechada mais uma vez e os trens de Saracuruna pararam de circular. Caos completo por causa de uma pescaria, mas o Peixão escapou.
Logo surgiram as manchetes:
RESORT DE TRAFICANTE VIRA PÓ. ESTRELA CADENTE DO TRÁFICO CORRE DA POLÍCIA. OÁSIS DO CRIME NO COMPLEXO DE ISRAEL
Do lago, a polícia retirou uma enorme quantidade de carpas. Os peixinhos do Peixão.
Da academia, confiscaram esteiras e aparelhos de musculação. A própria polícia avisou que vai usar os equipamentos na academia dela.
A piscina secou, o palco ruiu, a estrela se apagou.
Um dos jornais mostra uma foto do Peixão, um jovem sorridente, de cavanhaque. Quando garoto era chamado de Alvinho. O que transformou o estudante Alvinho no traficante Peixão?
Uma semana se passou e a notícia foi esquecida.
Como no dilema do biscoito torradinho, a gente se pergunta: “esse tipo de ação da polícia chama atenção porque a imprensa dá grande cobertura, ou a imprensa dá grande cobertura por que o assunto chama a atenção?”
*Luis Cosme Pinto é autor de Birinaites, Catiripapos e Borogodó, da Kotter. O livro foi semifinalista do prêmio Jabuti 2024.
**Este texto não reflete, necessariamente, a opinião da Revista Fórum.