Brasília, 14h30. Sol de fritar ovo no asfalto, aquele clima de “se correr o bicho pega, se ficar o STF vem atrás”. E lá ia ele, o Mito, com o terno suado, uma sacola plástica de mercado na mão (contendo um terço, um pacote de Club Social e um boné do MAGA).
Ao chegar à Embaixada da Argentina, parou em frente ao portão, ajeitou a gravata e apertou o botão do interfone.
— É… alô? Hermano? É da Argentina, né? Aqui é o Jair, tô precisando de uma ajudinha…
Do outro lado, o segurança, um portenho robusto, com cara de poucos amigos, respondeu:
— ¿Ayuda de qué?
— Asilo, amigo! Aquele negócio de ficar no país de vocês sem o Xandão me encher o saco, tá ok?
O segurança, sem acreditar no que ouvia, disfarçou uma risada e falou em portunhol:
— ¿Usted tiene...agendamento?
— Agendamento? — Jair coçou a cabeça. — Amigo, quando a democracia tá em perigo, não tem essa de agendamento. É vida ou morte!
Após muita insistência deixaram ele entrar e esperar numa sala decorada com pôster de Maradona, Messi e um quadro do Papa Francisco olhando sério, como quem já sabia o que vinha pela frente.
Quando o embaixador finalmente chegou, elegante, com o cabelo impecável e a paciência de quem já lidou com mais crise do que roteirista de novela mexicana, perguntou:
— Señor Jair, ¿Qué lo trae a nuestra embajada?
— Perseguição, hermano! Só porque eu lutei pela liberdade e pelo churrasco de domingo, agora querem me trancar no xilindró. A Argentina é terra livre, positivo? Eu também quero ser livre, com um bife de chorizo, se possível.
O embaixador respirou fundo e respondeu, educadamente:
— No es tan simples. Para un pedido de asilo, necesitamos pruebas, documentos, fundamentación legal…
Jair, todo confiante, puxou da sacola um guardanapo do Fogo de Chão, com uma frase escrita à caneta Bic:
“Preciso ficar aqui, me ajuda. JB.”
O embaixador arqueou uma sobrancelha e perguntou, sério:
— ¿Esta es su documentación?
— Documentação oficial! Tá assinado e tudo.
O embaixador sorriu de canto de boca e indagou:
— ¿Y cómo entró aqui?
— Pela porta da frente, ora!
O diplomata respirou fundo outra vez, ativando o modo “zen”, e completou:
— No podemos aceptar su pedido sin seguir los trámites internacionales. Y, sinceramente, usted sabe que está pidiendo asilo en el país del tango, ¿no?
— Claro! E eu danço também, ó! — Jair fez um movimento desengonçado, parecendo mais um pinguim com torcicolo.
O embaixador, agora divertindo-se com o espetáculo, ofereceu:
— ¿Quiere un chimarrão enquanto piensa?
— Se for sem comunismo, aceito.
Antes que pudessem continuar, entra um estagiário, aflito, com o celular na mão:
— Embaixador, a Polícia Federal está no portão. Querem saber se o ex-presidente do Brasil está aqui.
O Mito ficou mais branco que leite condensado.
— Diz que é mentira! Que é fake news!
O embaixador se levantou, agora sério:
— Aqui no trabajamos con fake news.
Jair se levantou, desesperado:
— Então vocês vão me entregar, pô?
O embaixador sorriu, oferecendo uma empanada de carne:
— ¡No, no! Le vamos a entregar esta empanadita y acompañar o señor a la salida. Venga, por favor.
Ao sair pela porta dos fundos, Jair ainda perguntou ao segurança:
— Hermano… se eu for pro Paraguai, será que eles aceitam?
E lá se foi o Mito, cabisbaixo, a sacola de mercado pesando mais que seus processos, a empanada esfriando na mão, enquanto pensava se na embaixada paraguaia teria ao menos um puxadinho esperando por ele.
**Este artigo não reflete, necessariamente, a opinião da Revista Fórum.