Biografar, seja em livro ou filme (ficção ou documentário), uma personalidade com uma vasta carreira não é tarefa fácil, ainda mais se a pessoa a ser retratada é um artista como Bob Dylan, que se reinventou ao longo de sua trajetória. Ou seja, são várias fases que também influenciam o modo de pensar e fazer sua arte.
O diretor Todd Haynes entendeu isso ao biografar Bob Dylan em seu excelente "Eu Não Estou Lá" (2008), onde, para cada fase de Dylan, optou por um ator diferente, entre eles a atriz Cate Blanchett, que nos entrega uma atuação magistral.
Já o diretor e roteirista James Mangold opta por outro caminho em seu belo "Um Completo Desconhecido" (2024), que é a adaptação do livro "Dylan Goes Electric!", de Elijah Wald. Como o título sugere, o filme retrata a primeira etapa da carreira de Dylan e o momento histórico em que ele introduz a guitarra em sua música, sendo tratado como "traidor" por alguns colegas do folk, entre eles seu parceiro Pete Seeger (interpretado por Edward Norton).
Enquanto acompanhamos o desenvolvimento artístico do jovem Bob Dylan, o filme de James Mangold também faz um belo retrato da contracultura de Nova York, que serviu de inspiração para Dylan e foi responsável por sua virada musical. Além disso, o longa-metragem apresenta uma excelente ambientação política, contextualizada no auge da Guerra Fria: de um lado, os EUA; do outro, a União Soviética, Cuba e a crise dos mísseis.
O elenco
Além da caracterização impecável da época, cabe destacar o elenco. Vamos começar pela atuação impecável de Timothée Chalamet, que simplesmente encarna Bob Dylan. De acordo com o jovem ator, ele mergulhou no estudo de Dylan por cinco anos e optou por cantar no filme. Impressiona como Chalamet reproduz os mínimos trejeitos do icônico cantor. Não será surpresa se ele conquistar o Oscar de Melhor Ator no próximo domingo (2).
Também impressiona a atuação de Monica Barbaro como a cantora Joan Baez: é como se estivéssemos diante da própria Baez. Quem também brilha, ainda que apareça pouco, é o ator Boyd Holbrook como Johnny Cash, um dos primeiros a apontar Bob Dylan como um artista revolucionário. E ele tinha toda a razão.
O Festival de Newport
Como já mencionado, "Um Completo Desconhecido" retrata os primeiros anos da carreira de Bob Dylan até sua lendária apresentação no Festival de Folk de Newport, em 1965. É nesse show que Dylan se apresenta pela primeira vez com uma guitarra elétrica e toca seu clássico "Like a Rolling Stone", que se tornaria um grande sucesso, mas que, na ocasião, causou revolta e vaias, pois o público presente queria o "Bob Dylan do folk".
Se o filme de James Mangold não mergulha nas várias fases de Bob Dylan, ele, pelo menos, nos mostra as múltiplas faces do jovem artista: consciente de seu talento, mas, como diz uma de suas namoradas, alguém que adora ser do contra e foge dos modismos. E assim ele permanece até os dias de hoje.