CRÔNICA

Sem medo do fracasso

Antes de aprender a perder, eles aprenderam a jogar. E como jogaram

Créditos: Divulgação/Botafogo
Escrito en OPINIÃO el

Vamos falar da rede? Não da rede social, com seus vencedores prósperos, sarados e seus sorrisos de porcelana.

Tratemos da rede do futebol. Da rede que balança, alegra e entristece ao mesmo tempo. Gol também é melancolia. Chegaremos lá.

Sempre me perguntei: o que nos faz escolher um time de futebol?

As cores, a tradição, um craque?

Ou ainda algo mais efêmero: um drible, um gol, uma vitória?

Também pode ser herança. Ainda na maternidade, o bebê já recebe a camisa do time do pai, que também costuma ser a do avô.

O mais comum mesmo é o próprio torcedor não saber. Ama porque é o melhor time do mundo e pronto. Aos amigos e amigas recomendo: time é um só e pra sempre.

Não entendo quem - ao mesmo tempo – pode ser Cruzeiro em Minas, Palmeirense em São Paulo, Vitória na Bahia e por aí vai.

Um colega, quarenta anos de amor pelo Fluminense, se mudou pra Lisboa e logo comprou uma camiseta do Benfica, tem cabimento?

Quem disse que o futebol é o ópio do povo ou não sabia o que era ópio ou desconhecia o povo, pelo menos o povo Botafoguense.

Sou dessa galera. Comecei ali pelos 6 anos de idade, encantado com Jairzinho Furacão, Gérson Canhotinha de Ouro e Paulo Cesar Caju. Já passei dos 60 e vibro com Marlon Freitas, John e Savarino.

Assim como nunca mudei de nome ou nacionalidade, jamais me imaginei com uma camisa do Flamengo, do Arapiraca ou da Chapecoense.

2024 foi talvez nosso ano mais Glorioso. Conquistamos os campeonatos mais importantes, vencemos adversários dificílimos e montamos o melhor time das Américas.

Nem sempre foi assim.

Nada me fez sofrer mais na adolescência e juventude que o Botafogo. Em1967 e 1968 (parece anteontem) tínhamos uma seleção, a “Selefogo”. Num Maracanã que só existe em minha memória, aprendi a cantar o hino e a festejar o futebol arte.

Nas décadas de 1970 e 1980 (parece ontem) entramos numa crise sem fim. 19 longuíssimos anos sem ganhar um campeonato brasileiro ou carioca. 19 anos.  

Não só o Botafogo deixara de ter os craques, como os adversários se reforçaram. O Vasco de Dinamite. O Mengo de Zico. O Flu de Rivelino. Perdemos e perdemos muito. Da geral, berrávamos em “futebolês”.

- Canelinha de vidro!

- Soprador de apito, manda esse perna-de-pau pro chuveiro!

- Professor, tira esse mascarado.

- O gol foi na banheira!

A afronta maior dos adversários era dizer que nossa torcida inteira cabia numa Kombi. Cascateiros... a Folgada do Russão, A Camisa 7, A Mancha Alvinegra e uma multidão em preto e branco vinham com tudo, mesmo sabendo que o inimigo era mais forte.

Às vezes chegávamos perto, na última rodada bastava o empate... e, de novo, o campeonato escapava.

Indignados, vimos com as mesmas camisas sagradas de Garrincha, Nilton Santos e Didi; Cremílson, Puruca e Artur Pai D’égua. A gente não merecia.

Mesmo em anos sombrios tivemos jogadores maravilhosos. Habilidosos e valentes, nunca levantaram um troféu com a camisa alvinegra. Numa sina maldita, trocavam de clube e logo ganhavam campeonatos. O pior: muitas vezes em cima da gente. Coisas do futebol. Coisas do Botafogo.

Escalei 11 craques daqueles tempos amargos. 11 ídolos que nunca jogaram juntos e que se frustraram tanto quanto a gente na arquibancada. Talvez mais.

Wendel, Perivaldo, Osmar, Brito e Marinho;  Alemão, Mendonça e Dirceu; Zequinha, Nilson Dias e Fischer.

Nenhum deles trocaria a alegria de dar um campeonato aos torcedores por qualquer proposta milionária.

Mendonça, nosso camisa 8, repetia: “não sou jogador, sou torcedor do Botafogo”.

Quase todos vestiram a camisa da seleção, muitos em Copa do Mundo. Alguns já morreram. São estrelas de um passado que não passou.

Sabiam perder e sabiam ganhar porque sabiam jogar. Nunca tiveram medo do fracasso.

*Luis Cosme Pinto é autor de Birinaites, Catiripapos e Borogodó, da Kotter. O livro foi semifinalista do prêmio Jabuti 2024.

**Este texto não representa, necessariamente, a opinião da Revista Fórum.

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