MARCELO UCHÔA

O filme e a Comissão da Anistia

Na Comissão de Anistia, há uma sinergia muito importante entre o acolhimento popular ao filme Ainda Estou Aqui e um novo ciclo no colegiado

Representação da Família Paiva em 'Ainda Estou Aqui'.Créditos: Alile Dara Onawale / Divulgação
Escrito en OPINIÃO el

Laureado no mundo inteiro em inúmeros festivais de cinema, o filme “Ainda Estou Aqui”, que retrata a luta de Eunice Paiva para saber a verdade sobre o desaparecimento do esposo, o ex-deputado Rubens Paiva, por agentes da ditadura, alcançou um feito histórico para o Brasil ao ser indicado à disputa de três categorias no Oscar deste ano: melhor filme, melhor filme estrangeiro e melhor atriz, com a brilhante Fernanda Torres.

O reconhecimento não poderia ocorrer em melhor momento. Recente pesquisa Datafolha indicou que 62% dos brasileiros são contra a anistia para os golpistas do 8 de janeiro de 2023. A hashtag #semanistia está na boca do povo, um sinal evidente de que, entre a ditadura e a democracia, os brasileiros preferem o sistema democrático.

Na Comissão de Anistia, há uma sinergia muito importante entre o acolhimento popular ao filme e um novo ciclo no colegiado. Recentemente, em fraterno rodízio, foi nomeada à presidência a procuradora federal aposentada Ana Maria Oliveira. Ana Maria é a decana da Comissão, acompanhando seus trabalhos desde a instalação, nos idos de 2002, com breve período de afastamento durante o governo passado, quando se tentou fulminar por completo as atribuições do órgão.

Se a gestão da presidenta Eneá de Stutz e Almeida foi marcada pela retomada dos trabalhos e pelo fortalecimento de novas competências, como a anistia coletiva, a gestão de Ana Maria, sob os auspícios da legitimação popular por memória, verdade e justiça, tem o potencial de se firmar ainda mais como restauradora da verdade histórica nacional.

Anos atrás, um medíocre deputado federal, Jair Bolsonaro, cuspiu no busto de Rubens Paiva, inaugurado em galeria em sua homenagem no Congresso Nacional. Hoje, o filme sobre a vida do parlamentar maculado e a luta de sua família caem nas graças da população, mostrando que a tolerância com os adeptos da ditadura e os arbítrios dela decorrentes é zero.

A propósito, em Fortaleza, a vereadora e educadora Adriana Almeida (PT) apresentou um projeto legislativo para que o livro “Ainda Estou Aqui”, de Marcelo Rubens Paiva, que deu origem ao filme, seja incluído no acervo literário das escolas municipais. Trata-se de uma medida que deve ser copiada em mais e mais municípios em todo o Brasil, para que o apoio à criminalização da ditadura seja amplificado.

Em dezembro do ano passado, o ministro do STF Flávio Dino recebeu, em recurso, uma denúncia do Ministério Público, concedendo, ato contínuo, interpretação inovadora sobre a Lei da Anistia de 1979. Na esteira do filme, decidiu que o instituto da anistia não pode ser aplicado a crimes de natureza permanente, cujos efeitos se estendem até o presente, como a ocultação de cadáveres. Nada mais justo! A matéria irá brevemente ao Plenário para definição final.

Com o apoio social, não há dúvidas de que a punição de víboras do período militar de 1964 pode acontecer. É aí que também entra a importância da Comissão de Anistia sob a presidência de Ana Oliveira. Sua dedicação histórica ao tema, sua experiência e seu dinamismo certamente manterão o assunto sob os holofotes sociais. Será a cereja do bolo para que a temática não só não caia no esquecimento, como também receba ainda mais amplo apoio nacional.

*Este artigo não reflete, necessariamente, a opinião da Fórum

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