FRANCISCO FERNANDES LADEIRA

“Mudanças climáticas”, eufemismo midiático para “falência do neoliberalismo”

O uso da expressão “mudanças climáticas”, nos discursos da grande mídia, não tem nada de “científico”

Enchentes no Rio Grande do Sul.Créditos: Amanda Perobelli/Agência Brasil
Escrito en OPINIÃO el

Porto Alegre e Los Angeles estão a dez mil quilômetros de distância. Porém as duas cidades têm algo em comum. Nos discursos midiáticos, os incêndios na metrópole estadunidense e as enchentes na capital gaúcha simbolizam os impactos das mudanças climáticas no planeta. Para os apocalípticos, trata-se de um sinal do fim dos tempos: o mundo acabando em fogo ou em água. 

Antes que alguém me acuse de “negacionista climático” (uma das modas da classe média de esquerda), deixo bem claro que não pretendo apresentar aqui uma discussão sobre a validade científica do conceito de mudanças climáticas. A natureza tem suas próprias dinâmicas e não vou entrar em detalhes sobre isso. Pretendo apenas demonstrar como o uso da expressão “mudanças climáticas”, nos discursos da grande mídia, não tem nada de “científico”. É uma estratégia lexical para ocultar a falência do neoliberalismo, isto é, a ineficiência das políticas “menos Estado, mais mercado” em lidar com tragédias ambientais e humanas.

Não apenas em Porto Alegre, mas em todo o Rio Grande do Sul, o receituário neoliberal foi aplicado em uma de suas facetas mais selvagens. Fechamento de fundações públicas que pesquisavam bacias hidrográficas, desmonte de órgãos ambientais, flexibilização da legislação ambiental, cortes de investimentos públicos e sucateamento de sistemas que defendiam a capital gaúcha de inundações, entre outras medidas nefastas, deixaram o estado altamente vulnerável a enchentes. Mas, na grande mídia, nada disso é mencionado. O discurso, unívoco, é o coringa “mudanças climáticas”. Pronto, está “explicada” toda a tragédia do Rio Grande do Sul. 

Do mesmo modo, o estado da Califórnia, onde fica a cidade de Los Angeles, é um (mau) exemplo de aplicação das políticas neoliberais. Os impactos dos incêndios seriam muito menores se o governo estadual não falhasse em forçar o monopólio privado de energia a proteger adequadamente suas linhas de transmissão, se boa parte da água não tivesse sido privatizada e sem os cortes de verbas para o Departamento de Bombeiros de Los Angeles. Se, no caso gaúcho, a imprensa hegemônica conseguiu emplacar a narrativa “mudanças climáticas”; nas matérias sobre os incêndios nos Estados Unidos, em que os pontos de vista alternativos são escassos, devido ao distanciamento espacial, foi ainda mais fácil repetir o discurso que oculta as falhas do neoliberalismo. 

Em suma, o que mais desumaniza o ser humano e agride a natureza é o sistema capitalista de produção. No entanto, evidentemente, jamais vamos ler, ver ou ouvir isso na Globo, Folha de São Paulo, Veja e afins.  

*Este artigo não reflete, necessariamente, a opinião da Fórum

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