Numa movimentação relâmpago no final do ano, a Prefeitura de São Paulo respondeu à Justiça sobre o questionamento judicial protocolado dias antes sobre o aumento da tarifa de transporte, e a Justiça aceitou a argumentação da Prefeitura, tudo em menos de 24 horas. Chama ainda mais atenção que, além da celeridade, essa troca de ofícios e documentos que resultou na liberação judicial do aumento ocorreu entre os dias 31 de dezembro e 1º de janeiro, exatamente na virada de ano.
Questionamentos judiciais sobre tarifa são muito difíceis. A argumentação facilmente recai na uma desculpa dos “riscos para os cofres públicos”, o tema envolve algumas questões técnicas e é muito mal regulado no Brasil. O “costume” técnico nas cidades brasileiras também é precário. Não existem boas práticas de custeio e subsídio do transporte para contrapor erros e aumentos abusivos como os realizados por Ricardo Nunes e Tarcísio de Freitas nas últimas semanas.
Dito isso, é possível afirmar que, embora Ricardo Nunes e a SPTrans tenham demonstrado um aumento dos custos do serviço de transporte em São Paulo para justificar algum reajuste, não apresentaram nenhum cálculo ou estudo que embasasse o valor proposto. Esse debate é muito importante e simbólico do atual estado de naturalização dos aumentos tarifário nas cidades brasileiras.
Sim, a Prefeitura protocolou na ação judicial um documento com quase 30 páginas explicando a situação, além de um relatório técnico com 45 páginas sobre os custos do transporte na cidade. Mas, apesar de longos e repletos de dados, os documentos apenas apontaram o aumento dos custos, o que não justifica ‘automaticamente’ um aumento tarifário. Isso é especialmente relevante em uma cidade que já subsidia o transporte. Embora citaram que a inflação supostamente autorizaria um aumento de até R$ 5,90, em nenhum momento foi apresentado uma conta que justifique o valor escolhido de R$ 5,00 – o que evidencia a falta de diretrizes do atual governo para organizar a política tarifária.
Os documentos apresentam alguns dados reais, como a queda no número de passageiros, a descrição detalhada da frota e do sistema, e a composição dos custos. Isso permitiu perceber, por exemplo, que motoristas e cobradores de ônibus trabalham em escala 6x1, apesar do trabalho desgastante e cansativo. O documento também traz elementos que refletem uma ideologia ultrapassada que domina o setor de transportes no atual governo, como reclamar do impacto das gratuidades e integrações, uso do custo por passageiros e menções ao erro que estão cometendo na cobrança do Vale Transporte – que está prestes a ser derrubado pela Justiça.
Além desses erros, os documentos apresentam omissões graves. Por exemplo, exaltam o aumento no número de veículos com ar-condicionado, mas ocultam a redução excessiva da frota, em quase 18%, o que deveria ter gerado uma redução nos custos. Também lamentam a perda de passageiros na pandemia, mas não assume que nada foi feito para tentar recuperá-los ou minimizar os riscos à população. O detalhamento dos custos não foi feito a ponto de identificar o preço de elementos individualizados, o que poderia gerar uma auditoria cidadã. Outros trechos são apenas tentativa do governo Nunes de deturpar conceitos para reafirmar posições ultrapassadas, como afirmar que o aumento da tarifa “concretiza o direito ao transporte”, ou que beneficia um maior número de usuários.
Esses erros políticos e conceituais sobre tarifa e transporte público poderiam gerar outros debates, mas a ideia central aqui é apontar que a Prefeitura mente ao afirmar que a tarifa foi fixada “estritamente em razão de critérios técnicos”. Dizer que o reajuste foi “significativamente inferior à inflação” não explica o valor de R$ 5,00.
Considerando que há mais de uma década São Paulo subsidia fortemente o transporte, para um valor de tarifa fosse “estritamente técnico”, como alega a Prefeitura, seria necessário definir critérios para a divisão entre o que será coberto pelo subsídio e pela tarifa. Esse debate a prefeitura não fez, e o Ricardo Nunes parece não saber sua importância social, ignorando que a tarifa impacta a vidas e excluí pessoas do transporte. No cenário ideal, avançaria rumo a Tarifa Zero de verdade, garantindo o transporte como direito.
Em outras palavras, algumas perguntas ficam para o governo Nunes após a escolha da tarifa de R$ 5,00: Como se chegou a esse valor de R$ 5,00? Foi avaliado se o impacto da tarifa de R$ 5,00 reais na população não seria maior do que R$ 4,80 ou até R$ 4,60? O impacto de economizar R$ 600 milhões no orçamento municipal - valor necessário caso não houvesse aumento - não é muito menos grave do que o impacto de quase R$ 30 por mês em uma família de baixa renda?
A nota publicada pelo Setorial de Transportes do Partido dos Trabalhadores explorou bem esse impacto social ignorado por Nunes e Tarcísio. Vale destacar que Tarcisio enfrenta menos dor de cabeça nesse tema, porque sequer possui esferas de participação para debater, como a capital tem desde a gestão Haddad. A nota dos Conselheiros de Transportes da capital menciona que o valor de R$ 5,00 sequer foi apresentado na reunião, violando etapas formais do processo – que, de toda forma, não impediria a aprovação do reajuste.
Infelizmente, a onda de aumentos de tarifa em várias cidades do Brasil demonstra que a visão ultrapassada e tecnocrata sobre tarifas ainda é predominante. Ricardo Nunes evidenciou isso ao dizer que a tarifa estava congelada desde 2020 e, agora precisava ser ajustada tecnicamente, admitindo que pensa que segurar o aumento é “errado” e só o fez por motivos eleitorais. Claramente ele não enxerga que segurar, reduzir ou zerar a tarifa seja uma política pública importante e justificável. Tampouco aproveita a participação popular para debater soluções, e só chamou os conselheiros no dia seguinte ao Natal por obrigação legal.
E, infelizmente, é nesse ritmo que seguiremos pelos próximos quatro anos. Que as pessoas que usam transporte coletivo se preparem e fortaleçam a luta que terá um novo ato na terça-feira, dia 14, em frente ao Theatro Municipal, às 17h.
**Este artigo não reflete, necessariamente, a opinião da Revista Fórum.