OPINIÃO

Crise Climática e Consumo – Por Ana Beatriz Prudente Alckmin

A crise socioambiental atual exige uma mudança urgente na maneira como consumimos e nos relacionamos com os bens materiais

Imagem gerada por inteligência artificial.
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A Groenlândia, um dos maiores reservatórios de gelo do planeta, está derretendo em um ritmo que deveria despertar preocupação global. Jakobshavn Isbræ, Kangerlussuaq e Helheim, os três imponentes glaciares da região, sofreram uma perda impressionante de 2,9 trilhões de toneladas de gelo entre 1880 e 2012. Esse alarmante declínio foi documentado pelo pesquisador Shfaqat Abbas Khan, da Universidade Técnica da Dinamarca, em colaboração com cientistas dos Estados Unidos e do Reino Unido.

Por meio da análise de fotografias históricas, a equipe conseguiu reconstruir o processo de derretimento dessas geleiras, que ocorreu antes da era dos satélites de observação, iniciada na década de 1970, conforme divulgado na revista Nature Communications.

O impacto dessa perda de gelo já se faz sentir: ao longo do século XX, o nível global dos oceanos subiu 8,1 milímetros, uma consequência direta do aumento de cerca de 1 grau Celsius na temperatura média do planeta. No entanto, o pior ainda está por vir. Segundo o mais recente relatório do Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas (IPCC), o cenário mais sombrio prevê que, ao longo deste século, o degelo da Groenlândia pode causar uma elevação adicional no nível do mar entre 9,1 e 14,9 milímetros.

Este cenário devastador se concretizará caso as emissões de gases de efeito estufa continuem em seus patamares atuais, levando a um aumento global da temperatura de 3,7°C até 2100. Ainda mais preocupante é a nova estimativa deste estudo, que alerta para um potencial desastre muito maior do que o previsto pelo IPCC. A projeção é que o aumento do nível dos mares seja muito mais acentuado, dado que o aquecimento global previsto para este século é quatro vezes superior ao registrado desde 1880.

Esse quadro torna evidente que estamos perigosamente próximos de um ponto sem retorno, onde os efeitos do degelo na Groenlândia desencadearão impactos devastadores, não apenas para as regiões costeiras, mas para a estabilidade climática global como um todo. A janela para evitar um desastre ambiental irreversível está se fechando rapidamente, e a falta de ação neste momento crítico pode condenar as futuras gerações a enfrentar um mundo em que a subida dos mares e as mudanças climáticas extremas sejam a nova norma.

Diante do caos climático no qual nós estamos, há uma urgência no enfrentamento dos problemas ambientais. A crise climática não é a crise do futuro, ela é a crise do presente. Obviamente, governos, entidades do terceiro setor e as empresas têm um poder forte nesse processo de transformação, mas há uma responsabilidade socioambiental individual. Precisamos vestir a capa da responsabilidade para com o meio, uma vez que já estamos sofrendo as consequências da degradação do meio ambiente: com as enchentes, com nossas saúdes prejudicadas, com a péssima qualidade do ar e uma série de outros problemas que eu poderia elencar aqui. Dito isso, como podemos, no nosso dia a dia, minimizar o nosso impacto no meio ambiente? Sem dúvida alguma, a forma como escolhemos consumir tem tudo a ver com isso.

A crise socioambiental atual exige uma mudança urgente na maneira como consumimos e nos relacionamos com os bens materiais. Em vez de interromper o consumo excessivo, estamos apenas tentando lidar de forma superficial com seus efeitos. A indústria da moda exemplifica isso, gerando uma demanda artificial por produtos desnecessários e resultando em grande desperdício: sobras de produção, roupas não vendidas e peças acumuladas sem uso. Esse desperdício é estimado em cerca de 500 bilhões de dólares por ano, um reflexo do consumo impulsivo e desmedido.

Iniciativas de "consumo consciente" têm surgido como resposta a esse problema, incentivando a compra de produtos ecológicos. No entanto, essa abordagem é problemática, pois continuar comprando, mesmo com boas intenções, não resolve a crise. O verdadeiro desafio está em mudar a atitude em relação ao consumo, adotando práticas que considerem o impacto ambiental, social e econômico de nossas escolhas. É preciso questionar a origem dos produtos, como foram feitos, se os trabalhadores foram remunerados de maneira justa e se os processos produtivos respeitam o meio ambiente.

Além disso, o debate sobre consumo precisa levar em conta as desigualdades globais. Enquanto uma parcela da população consome muito além do necessário, outros lutam para obter o básico, como água potável e segurança alimentar. Estima-se que a humanidade já esteja consumindo os recursos equivalentes a 1,7 planetas Terra, e no Brasil esse consumo chega a 1,8 planetas. A disparidade mostra que o problema não está apenas no consumo exagerado, mas também na distribuição desigual dos recursos e das oportunidades.

A solução para essa crise não está em continuar consumindo sob o rótulo de "consumo consciente", mas em cultivar um senso de justiça mais apurado e redistribuir os benefícios da sociedade industrial. O caminho não passa pelo aumento de bens materiais, mas por uma mudança de mentalidade. Não somos apenas consumidores; somos cidadãos que compartilham o mesmo planeta, e a solução virá de uma postura responsável e solidária em relação ao meio ambiente e às outras pessoas.

*Este artigo não reflete, necessariamente, a opinião da Fórum