A jornalista Tatiana Vasconcelos, comentando os episódios de violência verbal e física dos candidatos à prefeitura de São Paulo, nos debates televisivos, comparou aquele tumulto a uma sala de aula: “parece escola”.
Guilherme Boulos recorda o período em que dava aula para o Ensino Médio e diz que nem a turma do “fundão” se comportava tão mal quanto Nunes e Marçal.
Como a escola se tornou referência de mau comportamento? Como pensar em uma educação melhor se os jovens, que vivem uma realidade social violenta, acabam sendo atraídos pela fetichização do seu cotidiano tanto na imprensa tradicional quanto nas redes sociais?
Não adianta o discurso pseudopedagógico de que o professor deve adaptar suas aulas às exigências do momento. Uma aula dinâmica, com vídeos, imagens, jogos, interatividade etc., tudo isso não passa de engodo que busca colocar a culpa de todos os problemas sociais na escola. A relação ensino-aprendizagem está para além dos muros da escola.
O fato é que a violência na mídia é um problema que vem de longa data. Nos anos 1990, estudos europeus e norte-americanos indicavam “que aproximadamente 75% dos atos agressivos apresentados na tela permanecem sem quaisquer consequências negativas para o “agressor”, ou são até mesmo recompensados”.[1] O primeiro comercial no intervalo de um desenho animado infantil (ainda nos anos 1950) foi de uma pistola de espoleta. A Burp Gun, da Mattel. E a animação era O Clube do Mickey.[2]
Isso sem falar da violência cotidiana, do mundo real, ao qual os alunos mais desfavorecidos estão expostos. Escolas são fechadas com frequência nas comunidades do Rio de Janeiro por causa de operações da polícia. Covardemente esse cotidiano é dramatizado e simulado na tela como formação de sedução.
Violência e o mercado da atenção
Os olhos de uma criança refletem violência em tudo que a luz toca. É inevitável não levá-la para a escola. Chegando lá, observa que aquilo que lhe apresentam é uma violência, pois o seu conhecimento é visto como inferior, inútil para se tornar alguém na vida, para ser rico ou uma celebridade (o que tanto almejam).
É a violência simbólica. E quando descobre que a educação não o deixará rico e que existem maneiras mais “fáceis” (muitos adolescentes, além de aspirantes a influenciadores, estão se viciando nas bets de apostas) de se chegar onde a sociedade do consumo denomina “sucesso”, este jovem, ou desdenha a educação ou a abandona. Não é preciso estudar para ser uma celebridade….
Até mesmo o professor passa a desacreditar em sua profissão perante a sedução que a mídia promove. Assim, perde sua credibilidade diante dos alunos que, ao assumirem posturas desrespeitosas, que podem se manifestar na forma de agressão, indiferença, pouco caso, geram comportamentos de indisciplina e violência contra a escola e o professor.
A fartura exibida pelas celebridades do trap, do futebol e dos influenciadores o convence que o objetivo da vida é o sucesso. Ter fama, consequentemente, é ter dinheiro. Não é preciso mais se humilhar tirando notas baixas, ouvindo sermões de professores. É preciso se exibir, postar um vídeo e viralizar. Viva a democratização da celebridade! A sede por likes e visualizações, de se tornar uma commodity monetizada, faz parte de uma lógica de automelhoria da cultura neoliberal que não necessariamente considera o cuidado com o próximo como sendo uma prioridade.
Qual foi a consequência do discurso de ódio proferido por Marçal? Qual foi a consequência da cadeirada? Viralização. Ambos os atores do debate sabiam que aquele lugar era um espaço do espetáculo onde o que é polêmico viraliza. A violência é uma mercadoria que circula. Uma commodity no mercado da atenção. E qual será a consequência disso tudo para a juventude? Viralizar vídeos com performances que refletem o ódio e a violência.
Educação e barbárie
Sem uma participação efetiva dos meios de comunicação será impossível a educação vencer a barbárie. A mídia sempre lucrou com a violência.
Se o oposto da educação é a barbárie (sendo esta “sempre um ato de violência”[3]), a mídia é o seu maior adversário. Os jovens vão preferir a educação ou o mundo que a mídia lhes oferece?
Até a palavra “bombar”, que se refere ao sucesso, está ligada a violência. Uma bomba chama a atenção, embora deixe estragos, vítimas…
A mídia é uma fábrica de inimigos da educação. Ao fazer da violência espetáculo, de colocá-la como o caminho para o sucesso, transforma anônimos em celebridades.
A mídia (incluindo também as redes sociais) cria os fãs, manipulando o comportamento das pessoas, forjando identidades. Se ela tem a violência como carro-chefe, a construção de pessoas violentas é inevitável. Como a educação triunfaria?
Todos aqueles que odeiam a educação serão palco para a mídia. É da mídia, principalmente alguns dias antes das eleições, que surgirão “sejam presidentes de países ricos, sejam doutrinados de países pobres, esses novos bárbaros, senhores da definição de quem merece viver, que têm um profundo ódio pela educação”.[4]
É a própria lógica neoliberal, que cultua a conquista da riqueza através do esforço individual e o “vale-tudo” para se chegar a tal objetivo, que impede o triunfo da educação.
Marçal foi condenado, acusado de golpes para enriquecer, mas isso não afetou sua imagem perante os jovens que almejam ser “bem-sucedidos” da maneira mais “fácil”.
A mídia (hoje bancada pelas “bets”, outro caminho para o suposto enriquecimento fácil), que é administrada pela mesma lógica neoliberal, do vale-tudo pela audiência, pela visibilidade, estimula o comportamento violento. Não se trata do pânico moral que os conservadores tanto acusavam a mídia de ser a propulsora, mas da falta de escrúpulos para vender informações, de deformar a realidade vil do aluno na tela para seduzi-lo, de modo que, no mercado da atenção, a educação emancipadora (que nada tem a ver com desempenho e recompensa) perde público já que não pode usar dos mesmos meios que a mídia lança mão.
Lógico que a educação também precisa mudar. Ela não deve estar relacionada à ambição de subir na vida, ao objetivo de ter um bom emprego. A educação não deve estar relacionada diretamente à sobrevivência física, mas a formação de seres humanos capazes de tomarem decisões que promovam a vivência em harmonia, o fim das desigualdades sociais e que, por tabela, levará ao fim da própria violência.
[1] ALMEIDA, N. Imaginário, mídia e violência. MONTEIRO, A.; SANTI, A. e AZEVEDO, N. (orgs.) Educação, violência e contemporaneidade. Niterói: Eduff, 2013, p. 134.
[2] BRYANT, J. A. Como se desenvolveu a indústria da mídia infantil? MAZZARELLA, S. et all. Os jovens e a mídia. Porto Alegre: Armed, 2009, p. 30.
[3] CÁSSIO, F. Apresentação: desbarbarizar e educação. ______.(org.) Educação contra a barbárie. São Paulo: Boitempo, 2019, p. 20.
[4] CHARLOT, B. Educação e barbárie. São Paulo: Cortez, 2020, p. 16.
*Este artigo não reflete, necessariamente, a opinião da Revista Fórum.