POEMA

Existe no Brasil um homem feliz? - Por Célio Turino

"Hoje acordei feliz, ergueu-se como muralha humana, o povo, homens e mulheres, crianças e velhos, postos à frente, defendendo a carne, o sangue e a dignidade dos povos imigrantes"; Leia poema de Célio Turino

Manifestação contra a extrema direita no Reino Unido.Créditos: Reprodução/X
Escrito en OPINIÃO el

Hoje acordei,
feliz,
ergueu-se como muralha humana,
o povo,
homens e mulheres,
crianças e velhos,
postos à frente,
defendendo a carne,
o sangue e a dignidade
dos povos imigrantes.

 

Hoje acordei,
feliz, e vi,

no Reino Unido,
um grito contra o ódio,
um punho cerrado,
contra o veneno da extrema direita.

 

Ali, em cada esquina,
em cada hotel,
mesquita,
abrigo,
loja,
o povo ergueu-se,
feito muralha,
feito mãe,
protegendo seus irmãos,

e filhos,
aqueles que vieram de longe,
procurando abrigo,
procurando paz,

um canto a recomeçar a vida.

 

Hoje acordei,

triste,
e chorei.
Meu Brasil,
ainda mudo,
ainda cego,
ainda surdo,
para o clamor dos primeiros,
a gente originária

desta terra,
os que respiram o verde,
os que são a raiz

e cultivam bons frutos,

ares

e água boa.

 

Hoje acordei,

triste,
e vi,
meu Brasil
com as mãos sujas
de sangue ancestral
aguardando o Supremo

com toga nos ombros

a conciliar o inconciliável.

Dar os ombros

às ganâncias do invasor

e aos direitos do invadido.

Gente expulsa da terra,

Ancestral,

terra que é vida,
terra que é alma.

 

Hoje acordei,

triste,
e o grito sufocado dos povos indígenas
ainda ecoa.
Há quinhentos anos,
seguem acuados,
por invasores,

desmatadores,

latifundiários,

e bandidos.

Acuados
por violências e medos.

Por isso dizem:

“O marco não é temporal,

é ancestral!”

 

Hoje acordei,
e esperei,
o Brasil que eu amo,
erguer-se,
feito muralha,
feito mãe,
em defesa dos que estavam aqui,

Nossos irmãos
antes mesmo que o nome Brasil fosse dito.

 

Um dia meu povo

irá acordar

da tristeza

e dos medos.

Esse dia virá!

 

E o dia será feliz

porque o povo será feliz

em irmandade.
 

Disse Maiakovski:

“Dizem, que em algum lugar,

parece que no Brasil,

existe um homem feliz”
 

Hoje acordei,
e espero,
um país que desperte,
um povo que se levante,
em apoio decidido,
em apoio urgente,
aos que são a alma desta terra,
os que sempre estiveram aqui,
antes que houvesse sequer um nome,
para este chão

hoje conhecido como Brasil.

Era terra das Palmeiras,

e dos papagaios.

Pensou-se que era

o paraíso na Terra.
 

Nesse dia,

quando acordar

com o povo em levante,

reencontrando-se com sua raiz,

se trançando em seiva,

poderei responder:

“Existe no Brasil um homem feliz!”

*Célio Turino  é historiador e escritor, doutor em Humanidades pela USP e autor de diversos livros e ensaios, publicados no Brasil e no exterior. É integrante o Instituto Casa Comum. Caminha por aí, difundindo as ideias da Cultura Viva e do Bem Viver. Esteve como Secretário da Cidadania Cultural no Ministério da Cultura (2004/10) quando idealizou e implantou os Pontos de Cultura.

**Este artigo não reflete, necessariamente, a opinião da Fórum.