EDUCAÇÃO

Do professor disciplinador ao animador de palco – Por Raphael Fagundes

A questão é que a própria sociedade foi abandonando a ideia de ver a escola como formadora da personalidade do indivíduo

Imagem Ilustrativa.Créditos: Rovena Rosa/Agência Brasil
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A escola perdeu o seu papel de formar a subjetividade do ser humano. No máximo, “as crianças e jovens vão à escola não para aprender, mas para passar de ano, já que a preocupação do adulto é quase sempre com notas e com a promoção e não com o aprendizado e com a formação da personalidade por meio da educação”.[1]

É na construção de sua subjetividade que o sujeito atribui sentido ao mundo. Mas o domínio da imagem no estágio atual do capitalismo provoca perturbações significativas. “A fabricação da imagem da mercadoria [...] assumiu o centro das atividades produtivas”.[2] Assim, tudo deve se espetacularizar, mediatizar a relação entre pessoas por meio da imagem, como diria Guy Debord.

Isso ocorre até nas universidades. “A produção acadêmica busca atalhos para o espetáculo, uma vez que a notoriedade dos intelectuais se afere por expedientes como ‘presença na mídia’, de tal modo que a notoriedade midiática se sobrepõe aos critérios científicos ou universitários”.[3]

A escola fica numa situação delicada, pois a educação não dá para ser feita apenas por imagens. Como competir com a mídia e com uma indústria gigantesca de produção de subjetividades?

Eugênio Bucci afirma que os “anjos mediadores” entre a Superindústria do Imaginário - lugar de onde é produzido subjetividades, visões de mundo que fomentam a reprodução do capital - e o sujeito, vai dos influencers aos animadores de palco.[4]

Deparamo-nos com uma sociedade videológica em que “a esfera pública se submete à irresistível tirania das imagens”.[5] “Ninguém mais duvida de que a prevalência da imagem (eletrônica ou digital) sobre a palavra já se consumou”.[6] E se, nas estratégias retóricas, a atração por uma ideia se dá primeiro pela paixão, as imagens têm vantagem em relação ao texto, já que “as imagens são o oposto da argumentação racional”.[7]

Não é à toa que uma das pérolas do ex-presidente Jair Bolsonaro é a afirmação de que nos livros didáticos têm “muita coisa escrita”.

Esse é um caminho para a “impotência reflexiva” de que fala Mark Fisher: “Peça aos estudantes para que leiam mais que umas tantas linhas e muitos - mesmo estudantes com boas notas - irão protestar alegando que não podem fazê-lo. A reclamação mais frequente que professores ouvem é a de que é entediante”.[8] Fisher diz que não se trata do “torpor adolescente de sempre”, “significa apenas estar afastado da matriz comunicativa de sensação-estímulo das mensagens eletrônicas, do YouTube e do fast-food”[9], do Instagram e do Free Fire.

O capitalismo consegue sobreviver bem como um sistema iletrado: “os adolescentes processam os dados imageticamente densos do capital com grande efetividade sem nenhuma necessidade de leitura - reconhecimento de slogans é o bastante para navegar no plano informacional de internet-celular-postagem”.[10]

Isso é um problema para os professores. Eles precisam “mediar a subjetividade pós-letrada do consumidor no capitalismo tardio e as demandas do regime disciplinar”, de uma cultura que valoriza a nota e passar nos exames. “Os professores”, conclui Fisher, “estão presos na armadilha de serem ao mesmo tempo facilitadores/animadores de palco e autoritários/disciplinadores”.[11]

Para Rubens Casara, esse fenômeno alimenta “uma das mais importantes estratégias utilizadas no processo de idiossubjetivação”: a “simplificação excessiva”. “No lugar da reflexão bem-informada, a decisão rápida e acrítica passa a ser apresentada como algo positivo”. De modo que a “valorização econômica da ignorância” se relaciona “à demonização da educação, da cultura e do pensamento reflexivo” e “cada vez mais pessoas recorrem a uma linguagem empobrecida, bem como slogans argumentativos, frases feitas, jargões, análises superficiais…”.[12]

A questão é que a própria sociedade foi abandonando a ideia de ver a escola como formadora da personalidade do indivíduo. Paulo Freire falava do projeto ideológico dominante o qual entende que “os sonhos morreram e que o que é válido hoje é o ‘pragmatismo’ pedagógico, é o treino técnico-científico do educando e não sua formação de que já não se fala”.[13] A educação como formação do ser humano, que se apropria da cultura acumulada historicamente já não se fala mais.

A frase feita tão consagrada de que “educação vem de casa”, vociferada por muitos, é o sintoma desse processo. Mas os pais, sem tempo, pois devem atender as demandas neoliberais para alcançarem a promessa meritocrática que essa ideologia gaba-se em dizer que é guardiã, deixaram de educar os seus filhos. Uma Superindústria especializada em fabricar subjetividades, “sonhos”, para a reprodução do capital, ocupa esse vazio deixado pela escola e pela família. A Superindústria do Imaginário produz signos na forma de mercadoria especializados “em fornecer sentidos de pertencimento (imaginário) para sujeitos diversos”.[14]

Filmes, séries, influenciadores, cortes e memes passam a compor os elementos formadores de opinião, fundando mitos, de modo que “as moralidades, as plasticidades e as formas estéticas que orientam a leitura dos noticiários têm parte com os mitos”[15] produzidos por essa Superindústria. Por isso, candidatos como Pablo Marçal crescem tanto nas pesquisas.

Será que a escola terá que se comportar desta maneira para conseguir motivar os estudantes? “As crianças são o laboratório preferido pelo entretenimento”,[16] portanto, elas são um dos principais alvos da Superindústria do Imaginário. No império das imagens, diversas instituições estão se rendendo ao comportamento midiático para poder galgar influência sobre a cultura. Governos, igrejas, centros de pesquisa científica… A linguagem que circula é a das mídias digitais. Dinâmica, empobrecida, capaz de entreter. Será que a escola deve se render a isso? É possível para ela imitar a sensação-estímulo da matriz comunicativa que tanto seduz os educandos? Será que o destino do professor, pressionado a exercer uma educação “bancária”, que deposita apenas o conhecimento necessário para o estudante passar em exames, é se tornar um animador de palco?

Sem uma mudança radical do propósito da educação, a escola pode desaparecer e os professores, como os antigos bobos da corte, podem se tornar um personagem a ser lembrado apenas pelas imagens das antigas salas de aulas em algum documentário no YouTube narrado por uma inteligência artificial.

[1] PARO, V. H. Reprovação escolar. 3ed. São Paulo: Cortez, 2021, p. 98.

[2] BUCCI, E. A Superindústria do Imaginário. Belo Horizonte: Autêntica, 2021, p. 355.

[3] Id., p. 333.

[4] Id., p. 372.

[5] Id., p. 67.

[6] Id., p. 145.

[7] Id., p. 238.

[8] FISHER, M. Realismo capitalista. São Paulo: Autonomia Literária, 2020, p. 46.

[9] Ibidem.

[10] Id., p. 48.

[11] Id., p. 49.

[12] CASARA, R. A construção do idiota. Rio de Janeiro: Da Vinci, 2024, p. 40-41.

[13] FREIRE, P. Pedagogia da Autonomia. 12ed. São Paulo: Paz e Terra, 1996, p. 142.

[14] BUCCI, p. 345.

[15] Id., p. 74.

[16] Id., p. 369.

*Este artigo não reflete, necessariamente, a opinião da Revista Fórum.