Um dos grandes trunfos da série "The Boys", que estreou em 2019 no Prime Video Amazon, é que não foi logo de cara que ela disse a que veio. Em sua primeira temporada, a trama focou em mostrar o outro lado dos super-heróis, que povoam o imaginário das pessoas do planeta Terra, como figuras escrotas e que estavam interessadas em fama e dinheiro e não em dar segurança às populações do mundo.
Porém, na segunda temporada, The Boys dá uma virada e, a partir da personagem Tempesta, que é nazista, o roteiro começa a mostrar como o discurso nazi-fascista cabe perfeitamente em certos personagens que são apontados como "heróis". E é aí que entra a virada total do protagonista Capitão Pátria.
Se até o fim da segunda temporada estávamos diante de uma figura totalmente egóica, ao promover o encontro de Capitão Pátria com Tempesta, há um despertar na mente do "salvador" que passa a se enxergar como o "super-homem", mas no sentido nietzscheano da coisa, ou seja, Pátria começa a entender que é preciso redesenhar o mundo e as regras da sociedade à sua maneira e se livrar dos inferiores e impuros, ou seja, da humanidade.
A estética TikTok da extrema direita contemporânea
Com um roteiro sagaz e sem cair no panfleto, que tornaria "The Boys" muito chata, a série consegue, a partir da quarta temporada (que está em cartaz), desenhar de maneira magistral como funciona a estética TikTok da extrema direita e como ela mobiliza ódios e ressentimentos a partir da plataforma de micro vídeos, coisa que não era tão óbvia em suas temporadas anteriores.
O jogo muda completamente de cena com a entrada das personagens Mana Sábia e Espoleta: a primeira é quem saca como mobilizar os ódios na sociedade dos EUA e, para tanto, manipula o Capitão Pátria e Espoleta, que já é conhecida nas redes por disseminar teorias da conspiração: anti-vacina, terraplanismo e claro, a "América precisa voltar a ser grande e segura".
A partir da união desses três personagens, a série "The Boys" consegue desenhar na tela como a extrema direita tem conseguido usar as redes sociais para mobilizar todo o tipo de ódio entre jovens e pessoas mais velhas.
Mas, cabe destacar que essa sempre foi a crítica presente em "The Boys", por isso causa estranhamento que a quarta temporada, ao escancarar tal crítica, tenha causado revolta em parte do público, que acusa a produção de ser parcial e, pasmem, "comunista" e "identitária". Tudo sempre esteve ali, mas antes nas entrelinhas, agora os produtores resolveram escancarar.
Capitão Pátria e o fascismo contemporâneo
"The Boys" é uma série de ficção, mas fica claro que, com o avanço da extrema direita nas Américas e na Europa, e com a naturalização de discursos racistas, LGBTfóbicos e misóginos, os autores resolveram subir alguns degraus na crítica presente e mostrar: "gente, o Capitão Pátria é uma mistura de Trump, Bolsonaro e Marine Le Pen". Tudo está lá.
É preciso destacar a coragem dos produtores de "The Boys" que, desde o início, ao inserirem os super-heróis na chamada vida real, queriam mostrar que tais personagens míticos não passavam de um bando de ególatras e toscos, porém, agora o roteiro simplesmente desenha que estes "super homens" são simplesmente a pior ameaça à nossa existência e que eles precisam ser eliminados do mundo da política.
Por fim, o grande mérito da série "The Boys" é que ela consegue fazer toda uma crítica social, mas sem esquecer o deboche e que é um produto ficcional da indústria cultural, ou seja, ela nos entretém, mas ao mesmo tempo nos lança o alerta: os "salvadores da pátria são todos fascistas! Tomem muito cuidado diante das soluções fáceis e discriminatórias, elas podem acabar com todos nós. E o mundo já viveu sob esse terror e ele atende por dois nomes: nazismo e fascismo.