Em artigo recentemente publicado, discutimos a “ansiedade climática”, que é uma condição definida como o medo crônico de catástrofes ambientais decorrentes do aquecimento do planeta e do aumento da poluição. Dado a relevância do tema e o interesse gerado, vale voltar ao assunto para avançarmos nessa problematização. Leia o primeiro artigo: Ansiedade e crise climática.
Nunca é demais repetir que não podemos reduzir a ansiedade ao componente climático, pois ela é um fenômeno complexo e multideterminado. A ansiedade é um sintoma social cada vez mais frequente, que está associado aos modos de vida dominantes em nossa sociedade e à agudização de contradições sociais, estas decorrentes da precarização das relações de trabalho e do aprofundamento das desigualdades.
Também cabe ressalvar que a abordagem da ansiedade climática não pode cair em uma dinâmica de patologização da vida. A patologização da vida está associada à hipermedicalização e à busca do enquadramento das pessoas à padrões normativos rígidos, que não reconhecem as diversidades e singularidades do ser humano, como evidenciam as “epidemias de diagnósticos” (TDAH, TEA e outros).
No entanto, é importante termos presente que a ansiedade climática se tornará um problema cada vez mais presente. Para demonstrá-lo é suficiente evocar duas informações recentes. Uma é o informe da Organização Meteorológica Mundial, que confirmou que 2023 foi o ano mais quente já registrado globalmente. A outra, o estudo do escritório da ONU para a Redução do Risco de Desastres [1], que documentou que na América Latina, entre 2020 e 2022, pelo menos 190 milhões de pessoas foram afetadas por 1.534 desastres relacionados com as alterações climáticas.
Mesmo que a ansiedade seja uma reação adaptativa frente a perspectiva de um perigo, sabemos que eventos climáticos extremos, nas suas diversas formas (inundações, deslizamentos de terra, incêndios florestais, ondas de calor, etc.) são potencialmente traumáticos.
Esses eventos geralmente implicam perdas e ameaças em várias dimensões: começando pela própria vida e pela dos entes queridos; passando pela perda de bens essenciais a subsistência (como empresas, plantações, objetos de trabalho); indo até a perda de lugares e de objetos intensamente investidos de memórias e afetos, como a própria casa, as fotos, os mimos e lembranças recebidos.
Também devemos considerar que muitas vezes são acrescidas à condição estressante dessas múltiplas perdas a necessidade de aglomeração em abrigos, a perda da privacidade, as interrupções no trabalho e na escolaridade, sem falar nas migrações forçadas e as longas permanências em campos de refugiados.
Além disso, algumas pessoas, mesmo que não tenham sido vítimas diretas desses eventos extremos, são mais suscetíveis a desencadearem crises de ansiedade e outros quadros de sofrimento mental, em decorrência do acionamento de memórias traumáticas do passado (gatilho).
Portanto, é importante atentarmos para a ansiedade climática como uma preocupação atual. Por um lado, pode ajudar – especialmente professores, pais e profissionais da saúde – na atenção aos indícios de sofrimentos, de forma a possibilitar uma atenção à saúde mental mais precoce, e, por outro, pode reforçar na sociedade a necessidade de mobilização para o enfrentamento da crise climática.
A ansiedade climática, que se caracteriza por ter como um “gatilho” notícias sobre mudanças climáticas ou a vivência de eventos climáticos extremos, pode se tornar problemática quando é excessiva ou persistente e, nesses casos, ela se apresenta associada a outros comportamentos e sintomas disfuncionais, que podem trazer inúmeros prejuízos.
Podemos classificar os principais sintomas em três tipos. Sintomas físico, entre os quais podemos citar: taquicardia, sudorese, problemas digestivos, tremores e insônia. Os sintomas cognitivos como: preocupações obsessivas sobre o futuro, pensamentos repetitivos e foco excessivo sobre assuntos climáticos, dificuldade de elaboração de planos para o futuro, sentimento de sobrecarga mental. E, por fim, os sintomas emocionais, como: irritabilidade, inquietação, agitação, apatia, sentimento de culpa, desmotivação para atividades normais do dia-a-dia, que podem chegar a quadros mais graves, como depressão e TEPT (transtorno de estresse pós-traumático).
Como a atenção à ansiedade climática é recente, ainda são poucos os estudos sobre a sua prevalência. Um estudo publicado em 2021, na revista The Lancet Planet Health, que foi realizado em dez países, incluindo o Brasil, com mais de 10 mil crianças e jovens de 16 a 25 anos, demonstrou significativo grau de preocupação com as alterações climáticas.
Na média dos dez países, 59% da população pesquisada se identificava muito ou extremamente preocupada com as mudanças climáticas, sendo que no Brasil esse nível de preocupação chegou à 67%, e 25% na média se diziam moderadamente preocupada, enquanto no Brasil esse nível de preocupação chegou à 22%. Um grupo significativo, de mais de 50% dos entrevistados relataram: tristeza, ansiedade, raiva, impotência e culpa. Para mais de 45% dos entrevistados havia o reconhecimento de que as preocupações sobre as alterações climáticas afetaram negativamente a sua vida diária, sendo que no Brasil esse percentual chegou à 50%. Mais preocupante ainda foi que 75% dos entrevistados consideravam que o futuro é assustador e 83% entendem que a sociedade está falhando no cuidado do planeta.
As estratégias para a abordagem da ansiedade climática devem partir do entendimento da “psicodinâmica da ansiedade”. A ansiedade deriva de um mecanismo fisiológico natural, frente a percepção de um perigo real ou imaginário, que prepara o corpo para a reação de defesa – reação de luta ou de fuga. No caso da ansiedade climática, como trata-se de um evidente risco real, a princípio, a ansiedade pode ser entendida como uma resposta adequada.
A ansiedade desencadeada pela percepção da gravidade das mudanças climáticas pode contribuir para que as pessoas se mobilizem para pressionar os governos e empresas, para ações de preservação ambiental e reversão do risco climático. O engajamento nessas ações pode potencializar os sujeitos, abrindo novas possibilidades de subjetivação e desenvolvimento pessoal. Nesse quadro, a ansiedade climática pode cumprir um importante papel adaptativo.
No entanto, a partir desse processo fisiológico, duas outras dinâmicas podem derivar para o sofrimento mental. Uma, já referida anteriormente, é quando a pessoa já apresenta problemas de saúde mental pré-existentes, ou traços de personalidade associados à vivências traumáticas que podem ser fator de vulnerabilidade, como maior sensibilidade ou pré-disposição para ansiedade, intolerância à incerteza, emocionalidade negativa e tendência a superestimar a ameaça. Nesses casos, estressores associados às mudanças climáticas e às incertezas sobre a segurança e a subsistência podem agudizar ou desencadear problemas emocionais.
A outra é quando mesmo em pessoas que não tenham problemas de saúde mental ou propensão à ansiedade, ocorre um acúmulo de tensão psíquica, porque o corpo fisiologicamente preparado para a reação não encontra caminhos para reagir, visando reverter ou escapar da situação causadora da sensação de perigo. Nesse caso, a tensão psíquica acumulada extravasa em sintomas de sofrimento mental, no que se define como ansiedade desadaptativa, em decorrência da impossibilidade de agir e do consequente sentimento de impotência frente ao risco percebido.
Nessa situação de impotência diante do perigo de catástrofes ambientais, em que a pessoa se sente incapaz de enfrentar o problema das alterações climáticas (quadro definido por alguns como passividade ansiosa), há o impedimento da descarga da tensão acumulada, de forma que a tensão extravasa como mal-estar, podendo desencadear transtornos de ansiedade ou outros sintomas e quadros de sofrimento mental.
Considerando esses três possíveis “cenários” (o adaptativo, o sofrimento psíquico e a passividade ansiosa), podemos pensar em algumas estratégias para abordar os vários tipos de ansiedade relacionada com o clima.
A primeira é estimular o um amplo processo de engajamento das pessoas na defesa do meio ambiente, do fortalecimento da legislação e do controle ambiental.
A segunda é o incentivo à adoção individual e coletiva de atitudes voltadas ao consumo sustentável, promovendo a redução da pegada de carbono. Com essas duas estratégias não estaremos apenas dando vazão à tensão que gera ansiedade através de ações que superem o sentimento de impotência (superando a passividade ansiosa), como efetivamente estaremos atuando sobre as causas do problema climático, tão crucial neste momento.
A terceira é a implementação de programas de tratamento que abordem a ansiedade associada à exposição a fatores de estresse climático e a mobilização social pelo fortalecimento da rede pública de atenção à saúde mental, atualmente tão deficitária, para garantir o acesso facilitado de todos que precisam desse suporte para manter o equilíbrio emocional.
A quarta é o desenvolvimento de programas de fortalecimento das redes de apoio e associações das comunidades, especialmente as mais vulneráveis, para ampliação da resiliência a nível individual e da solidariedade comunitária, de forma a ajudar as pessoas a lidar melhor com os desafios futuros.
A quinta é o investimento na criação de sistemas de monitoramento e alerta de desastres, de programas de prevenção, do aumento da capacidade para enfrentamento e mitigação dos efeitos das alterações climáticas nas comunidades, do treinamento e capacitação de lideranças da comunidade para atuação em situações críticas, para que as comunidades se tornem mais seguras e preparadas para agir em caso de situações críticas.
Por último, não podemos deixar de referir que grupos mais vulneráveis, como crianças, jovens e idosos, e comunidades onde há falta de apoio social ou falta de outros “amortecedores de estresse” estão mais sujeitos à sofrimento mental associado à ansiedade quando ocorrem estressores relacionados ao clima, precisando sempre de uma atenção especial.
[1] Revista RADIS, Nº 260, Fundação Oswaldo Cruz (p. 35)
(*) Psicólogo, Doutor em Psicologia Social pela UFRGS
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