A notícia que tomou conta do país na última semana foi a ação do Governo do Estado do Paraná em selecionar quase 10% das escolas de sua rede de ensino estadual para, como projeto-piloto, experimentar em 200 unidades escolares a privatização de sua gestão. Os estados de São Paulo e de Minas Gerais seguem, em diferentes estágios, a mesma toada, querendo experimentar ou já implementando em algum nível a concessão da gestão de suas escolas à iniciativa privada, quer seja por meio de organizações sociais ou mesmo outras instituições privadas.
Nunca é demais lembrar que esses três estados são governados por políticos da extrema direita neoliberal em nosso país: Paraná, de Ratinho Júnior (PSD); São Paulo, de Tarcísio de Freitas (Republicanos); e, por fim, Minas Gerais, de Romeu Zema (Novo). A ameaça de privatizar a gestão escolar é um desejo antigo dessa turma que perdeu as últimas eleições presidenciais no Brasil. Querem de toda forma agraciar e agradar os financiadores de suas campanhas políticas, repassando os recursos da educação pública para empresas privadas, muitas vezes comandadas pelos amigos desses governadores.
O educador Luiz Carlos de Freitas, professor da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp) e grande parceiro das lutas do movimento sindical e popular ligadas à educação, já nos alertou mais de uma vez que, hoje, a principal ameaça à educação pública brasileira, esse direito social e universal conquistado com muita luta, é justamente a privatização da gestão escolar. A ideia é passar a administração das nossas escolas públicas para que as empresas ou organizações sociais privadas tomem conta da administração predial e de pessoal da unidade escolar, bem como das atividades de vigilância e alimentação escolar.
Essa ideia representa um ataque aos preceitos educacionais básicos que temos no país, inscritos tanto no texto da nossa Constituição Federal quanto na legislação infraconstitucional, como a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDB). Representaria o fim das carreiras públicas de professores/as e funcionários/as da educação, bem como ameaçaria o instituto do ingresso único via concursos públicos, retomando a antiga prática, bem comum no país quando ainda não tínhamos promulgado o nosso texto constitucional de 1988, de indicação política nas escolas.
Mas, para além do aspecto meramente corporativo, a privatização da gestão escolar aumenta ainda mais as desigualdades como também a fragmentação escolar. Em artigo publicado na Carta Capital, ainda nesta semana, o deputado estadual paranaense Requião Filho (PT), filho do ex-governador do Paraná Roberto Requião, levantou algumas experiências internacionais que provam a afirmação acima: o primeiro caso por ele citado é o Chile, que, desde a época da ditadura de Pinochet, implementa no país uma política de voucher no sistema educacional. As famílias receberiam um determinado valor para, por sua livre escolha, escolher uma escola privada para os seus filhos. Aconteceu o óbvio: as escolas privadas começaram a expulsar os estudantes com menor rendimento escolar ou pessoas com deficiência e indicando o seu retorno para as escolas remanescentes públicas. A desigualdade foi escancarada.
Outro exemplo de fracasso dessas experiências de privatização da gestão escolar é o caso da Suécia, país que fez também essa opção. Lá, a segregação racial e socioeconômica empurrou os imigrantes para escolas determinadas, deixando os suecos nativos em outras mais distantes das cidades, aumentando a segregação do sistema. Por outro lado, o artigo também traz as experiências exitosas dos países que optaram por fortalecer os seus sistemas públicos de ensino, como a Finlândia e a Escócia, com resultados excelentes para os seus países.
É muito importante alertarmos toda a sociedade que privatizar a gestão escolar não é a solução dos problemas de nossa educação. Essa seria a melhor saída para os bolsos privados das empresas que serão contempladas com os recursos orçamentários que antes eram destinados aos sistemas públicos de ensino. Essas soluções normalmente aparecem, no início de sua implementação, como algo positivo para a população: uma maquiagem “transforma” a escola, com uma mão de tinta nova, e a população atendida pelo serviço, ainda gratuito, é iludida. Mas os resultados não podem ser positivos porque aquela gestão privada estará preocupada apenas com o rendimento dos recursos públicos que agora serão por ela administrados.
O modelo de educação pública que defendemos deve ter como um dos seus pilares a gestão pública, em que toda a comunidade escolar, incluindo professores/as e funcionários/as, seja protagonista da gestão de nossas escolas. Um modelo em que nossas vozes sejam ouvidas. Uma escola verdadeiramente pública garante a gratuidade na oferta de seu serviço bem como a gestão pública de toda a administração que envolve a unidade escolar, desde o seu projeto político-pedagógico até a direção e condução de todo o espaço. Que nossas escolas sejam destinadas ao nosso povo, e não aos bolsos de empresas e organizações sociais privadas só interessadas em fazer da educação um rentável negócio.
*Heleno Araújo é professor da educação básica em Pernambuco. Presidente da Confederação Nacional dos Trabalhadores em Educação (CNTE) e membro da Coordenação do Fórum Nacional Popular de Educação (FNPE).
**Este artigo não reflete, necessariamente, a opinião da Revista Fórum.