entre os anos '70 e '80, na minha perifa, o bolo era a atração principal de uma festinha de aniversário.
era mais importante que o próprio aniversariante.
por isso, era sempre uma coisa enorme e toda adornada de confetes e glacês.
o troço tinha que ser grande porque, além de se empaturrarem de bolo, as pessoas sempre levavam um pratinho pra casa.
nessa época, as festinhas de aniversário não eram eventos privados.
como não havia, na quebrada, boates e nem discoteques, as festinhas de sábado à noite, na casa alheia, eram a diversão da juventude.
depois dos parabéns, a sala e o quintal da casa viravam pistas de dança.
pra alegria das cocotas e da malandragem.
os donos da casa convidavam os parentes e vizinhos próximos, mas qualquer pessoa que conseguisse ouvir o som da festa já se considerava convidado.
a rua ficava sabendo no boca-a-boca.
o portão ficava aberto, era só chegar e entrar.
a garotada se encontrava na porta de bares e vendas, já no sábado à noite, pra saber onde teria uma festinha.
certa vez, no bar do jorge, na 31 do leste, disseram que ia ter um aniversário na quadra 27.
mas as duas quadras eram inimigas, sempre que se encontravam, os caras trocavam socos.
ivão, um camarada de dois metros de altura, era dono de um totó no bar do jorge.
e era ex-namorado da aniversariante, que já tinha outro.
ivão queria vingança.
comprou algumas garrafas de crush e colocou na mesa.
desafiou quem teria coragem de ir à festa e roubar o bolo.
loucos por uma aventura, a moçada topou o desafio.
mais de dez caras partiram pra missão.
enfurnaram-se na casa e ficaram dançando no quintal, à espera dos parabéns.
até que apagaram-se as luzes.
aí vieram as palmas, os vivas, a cantoria e o soprar das velas.
nesse momento, velho muchas desligou a energia no poste da casa.
você sabe, após o soprar das velas, viriam as fotos e o tão esperado corte da guloseima.
mas o diabo é que as luzes não se acenderam.
o dono da casa apertava loucamente o interruptor e nada.
camuflados na escuridão, dois sujeitos retiraram o bolo da mesa e foram saindo.
a turma montou uma barreira de proteção.
quando se deram conta da falcatrua, os ladrões já iam saindo pelo quintal.
um espírito de porco havia sacado que deixaram o cadeado aberto no portão aberto.
assim que o bolo saiu, já com a família em disparada atrás dos escroques, o malandro fechou o portão e trancou.
a gangue, às gargalhadas, corria pela rua com o bolo na mão.
enquanto isso, os donos da festa, desesperados, procuravam as chaves pra abrir o cadeado.
apenas algumas ruas separavam o lugar da festa e a minha quadra.
a turma parou de correr assim que atravessou essa fronteira.
os patifes, missão cumprida, foram recebidos com efusivos aplausos e abraços.
ivão estava em êxtase.
nessa noite teve bolo e crush pra todo mundo no bar do jorge.
os adolescentes se lambuzaram de glacê.
em seguida, já com o organismo energizado com tanto açúcar e adrenalina, saíram em busca de outra festinha.
bucho cheio, agora estavam apenas afim de dançar.
eram tempos em que, sem acesso a equipamentos de esporte, cultura e lazer, a juventude fez da violência uma forma de espetáculo.
palavra da salvação.
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