Com a questão Palestina na ordem do dia, muito se tem falado sobre possíveis caminhos para alcançar a paz naquela região do Oriente Médio. Entre as propostas debatidas, está a chamada solução de dois Estados, coexistindo lado a lado: o já existente Estado de Israel e a Palestina (nos territórios de Gaza e Cisjordânia, de acordo com as fronteiras definidas após a Guerra dos Seis Dias, de 1967).
No entanto, um olhar mais acurado sobre o sionismo político, movimento que está por trás da criação de Israel, nos mostra a inviabilidade da solução de dois Estados. O próprio slogan/síntese dessa ideologia – “uma terra sem povo (Palestina) para um povo sem terra (judeus)” – já deixa claro que os sionistas jamais admitiram qualquer tipo de possibilidade de uma organização estatal para o povo palestino. Aliás, a segunda parte da premissa sionista anteriormente citada sequer reconhece a existência da população autóctone da Palestina, por lá estabelecida há milhares de anos.
Nessa lógica, em 1947, os sionistas só aceitaram a sugestão da Assembleia Geral da ONU, para partilha da Palestina em dois Estados (um árabe/palestino; outro judeu), pois perceberam ali uma espécie de ponto de partida para conquistar toda a região da Palestina (e, como veremos logo adiante, de territórios além).
Na Declaração de Independência de Israel, realizada no ano seguinte, não há uma única menção ao Estado palestino. Não por acaso, entre as primeiras medidas do país recém-fundado estiveram a ampliação territorial para além da partilha proposta pela ONU e o processo de limpeza étnica da população palestina (seja pela expulsão ou mesmo eliminação física).
Duas décadas depois, comprovando o caráter expansionista de Israel, após a Guerra dos Seis Dias, Tel Aviv ocupa os territórios palestinos que não estavam sob seu controle: Jerusalém Oriental, Gaza e Cisjordânia. Como usurpar a Palestina não era o suficiente, no mesmo conflito os sionistas também se apossaram das Colinas de Golã (Síria) e Península do Sinai (Egito); sendo este último território devolvido no final da década de 1970.
Mas a sanha expansionista de Tel Aviv está muito além. Tal como preconizado pelo mentor do sionismo político, Theodor Herzl, a “Grande Israel” vai dos rios Nilo (pertencente ao Egito) ao Eufrates (no Iraque). Para isso, foi elaborado o “Plano Yinon”, que envolve a expulsão dos palestinos para a Jordânia, a fragmentação do Líbano, Síria, Iraque e Egito, e a eventual expansão israelense para ocupar territórios de todos estes países.
Mesmo nas principais tentativas diplomáticas para se construir a paz na Palestina, com os acordos de Oslo, nos anos 1990, Israel manteve sua posição intransigente. Enquanto o lado palestino reconheceu a existência do Estado sionista, Tel Aviv, no máximo, reconheceu a então OLP como “representante do povo palestino”. Nenhuma linha sobre a possibilidade de formação de um Estado nacional.
Recentemente, em discurso na ONU, o primeiro-ministro israelense Benjamin Netanyahu apresentou um mapa do “Novo Oriente Médio”, sem a presença do Estado palestino, reafirmando para o mundo, mais uma vez, o verdadeiro caráter do projeto sionista (cuja atual etapa do genocídio em Gaza é apenas um capítulo de uma trágica história).
Portanto, enquanto houver sionismo, a solução de dois Estados será inviável, simplesmente porque Israel, guiado por tal doutrina colonial, racista e supremacista, jamais aceitou (e aceitará) a constituição de um Estado palestino.
Aceitar a atual configuração de Israel é também corroborar para que colonizadores continuem com sua ocupação colonial. Nesse molde, mesmo uma organização estatal para o povo palestino, confinado no enclave de Gaza e nos bantustões na Cisjordânia, representa a legitimação do apartheid sionista.
Fazendo um paralelo histórico, seria como sugerir que a Polônia, após ser ocupada pelo exército de Hitler, fosse dividida em dois estados, com o direito a uma organização estatal para os invasores nazistas.
Em suma, a única solução democraticamente viável para a Questão Palestina é um Estado palestino laico, multiétnico e plurinacional, em que não existam cidadãos de segunda classe e com garantia de acesso à terra para todos. Trata-se da tão almejada “Palestina livre”, do rio ao mar.
*Este artigo não reflete, necessariamente, a opinião da Revista Fórum.