É sempre assim! Basta uma tragédia, um acidente, uma chacina ou mesmo uma guerra e os “teólogos” formados pela UniZAP aparecem aos montes, com as explicações mais estapafúrdias, mentirosas e preconceituosas possíveis. Não foi diferente com a tragédia que desabou sobre o Rio Grande do Sul. Centenas de milhares de pessoas desalojadas de suas casas, dezenas (quem sabe centenas) de mortos, muita gente desaparecida, mas os “portadores da verdade divina” não se comovem nem um pouco. O mais importante é destilar o ódio, o racismo religioso e a visão tacanha de sua religiosidade medíocre condenando o povo que já sofre neste momento. É colocar dor sobre dor.
Confesso que tenho comentado pouco em minhas redes sobre a tragédia no Sul e até mesmo evitado ver algumas cenas porque me acionam um gatilho terrível: eu sou natural de Teresópolis (hoje moro em Campina Grande, na Paraíba) e estava lá naquele fatídico 11 de janeiro de 2011 quando as 3 principais cidades serranas do Estado do Rio de Janeiro foram solapadas por algo muito parecido. Chuvas intensas, desmoronamento de encostas, centenas de mortos e algumas pessoas até hoje desaparecidas. Vivi de perto o sofrimento, a angústia e a sensação de impotência que os irmãos e irmãs do Sul sofrem neste momento cruel.
E me dói, mais ainda, como pastor, ver a que ponto a bolsonarização e a dissimulação da fé cristã no Brasil tomaram ares insuportavelmente bizarros e até mesmo criminosos. Legitimar uma tragédia como “a ira de Deus” sobre um povo, simplesmente por ser um Estado onde existem muitos terreiros de umbanda e candomblé é algo inimaginável para um verdadeiro cristão. Um Deus que, irado por não ser “adorado”, mata centenas de pessoas e coloca um Estado todo sob escombros e destruição é um demônio. Não pode ser o mesmo Deus que se revela no Cristo, que a todos ama indistintamente e não quer o mal de ninguém. Essas pessoas falam mais de si do que de Deus.
Parafraseando Vinícius de Morais em sua obra “Dia da Criação”, para essa gente é como se Deus, para não ficar “com suas vastas mãos abanando”, sem fazer nada no céu, resolvesse punir não aquele pastor que violentou uma menina inocente de 8 anos, não o outro pastor que beijou a sua filha na boca “para ser o primeiro”, não o outro pastor ainda que disse que as crianças têm culpa pelos abusos que sofrem. Não! Diante disso Deus, “em sua imensa bondade e amor”, resolveu punir os gaúchos porque muitos preferem terreiros a templos onde Mamom, o Deus-Dinheiro, é adorado! Valha-me quem nessa hora?
Se há algo que entristece a Deus no Sul do Brasil, certamente não será sua diversidade religiosa. Quem sabe governantes que, ao invés de cuidar da natureza, acabam com leis que a defendem? Quem sabe um governo que altera 480 pontos a toque de caixa de um código ambiental que levou anos para ser elaborado, tudo para agradar ao “agro, que é pop”? Ou seja, Deus não tem NADA a ver com a tragédia no Sul do País, fruto de um evento climático incalculável, sim, mas aliado a uma política de devastação e enfraquecimento das defesas naturais e civis de um Estado. É hora de ajuda, sim! Mas sem esquecer que há “parceiros” nessa tragédia.
No mais, onde está Deus nesse momento? E aqui eu lembro de um fato atribuído a Dietrich Bonhoeffer, pastor e teólogo alemão, que morreu nos campos de concentração, preso por atentar contra Hitler. Ao ver uma criança judia sendo levada para a câmara de gás, um dos soldados da SS nazista perguntou, ironicamente, a Bonhoeffer: “Onde está Deus, pastor?” Ao que ele respondeu serena, mas tristemente, apontando para a menina: “- Lá, sendo levado para a Câmara de Gás”.
Se Deus está no Sul neste momento (e eu creio que está), está entre os milhares de voluntários (pouco importa se de direita ou de esquerda) e sofre junto com o povo gaúcho neste momento. E chora, como Jesus chorou, diante da morte de gente que Ele tanto ama.
**Este artigo não reflete, necessariamente, a opinião da Revista Fórum.