Estamos mais próximos do fim do mundo ou do capitalismo? O filósofo Zizek disse uma vez: “com essa esquerda, quem precisa de direita?”. Mais recentemente, já se conclui que o capitalismo é um sistema sem rivais. Foi invocado até o realismo capitalista, “tendo incorporado tudo que lhe era exterior”, diz Mark Fisher, e eu complemento, inclusive a esquerda.
O movimento socialista se enfraqueceu, e é muito difícil identificar, na atualidade, indícios de um fim da dominação do capital. Pelo contrário, “o colonialismo de dados pode estar pavimentando um caminho para uma expansão sem precedentes do capitalismo: a capitalização total da vida humana”[1], como nos explica a jornalista e cientista social Joyce Souza.
Por outro lado, temos indícios do fim do mundo. Pelo menos do modo como a imaginação humana o vem representando nas últimas décadas. Acabamos de enfrentar uma das piores pandemias que a humanidade já viu, por ser global por excelência. O desastre que assola os gaúchos parece a realização de uma distopia, como na obra “Nova York 2140”, de Kim Stanley Robinson.
Será a natureza a única rival do capitalismo? É interessante pensar no que o professor Zé Pedro de Oliveira Costa colocou em seu livro sobre a história das florestas brasileiras: “A brecada que o planeta deu em decorrência da pandemia de Covid-19 foi extremamente didática. Pararam as fábricas, os carros, os navios, os aviões. Como milagre, o céu ficou mais azul, a água do mar clareou. Animais selvagens voltaram a aparecer próximos às cidades. O mundo como que saiu da UTI. Respirou. Mostrou que é possível nos recuperarmos dos malefícios artificiais criados pelo homem”.[2]
Foi uma doença que fez o capitalismo dar uma “brecada”! A pressão da natureza fará o mesmo? E, se fizer, não haverá retorno? Ou existe um mundo pós-natureza como houve um pós-pandemia?
Educação e juventude
Precisamos lembrar que o socialismo foi “o principal veículo da reflexividade ambiental moderna”. Marx dizia que o “progresso na agricultura capitalista não é apenas progresso na arte de saquear o trabalhador, mas também na arte de saquear o solo”. De acordo com Pierre Charbonnier, até então, Karl Polanyi havia sido “o único a ter vinculado explicitamente a superação do mercado autorregulado e o questionamento das relações coletivas com a natureza”.[3]
Se não somos capazes de pensar o novo, um mundo pós-capitalista, para que educarmos a nossa juventude? Uma pergunta feita por Mark Fisher: “O que acontece quando os jovens já não são mais capazes de produzir surpresas?”[4]
Portanto, é somente através da educação que podemos resgatar a fé no futuro. É através dela que podemos nos libertar da ideologia de que, no final, tudo se resume ao dinheiro, isto é, ao realismo capitalista. Ensinar um jovem que nada de novo pode acontecer não é educação, é conformismo, algo contraditório à própria essência da juventude.
É curioso pensar que a direita foi uma das primeiras forças ambientalistas. De acordo com Wagner Costa Ribeiro, “as primeiras leis ambientais surgiram na segunda metade do século XIX a partir das reinvindicação dos chamados protecionistas ingleses, ou seja, aqueles que desejavam proteger espécies da extinção, em especial as preferidas pelos caçadores ingleses”.[5] Hoje seria uma piada de muito mau gosto defender o meio ambiente apenas para matar animais por esporte. Por isso, não podemos considerar esses caçadores como a base do movimento ambientalista. Sendo assim, não há dúvidas de que as bases ambientalistas são anticapitalistas, ou melhor, socialistas.
É preciso dizer que preservar o meio ambiente é salvar o futuro. A educação é formar para o futuro. O que torna impossível formar um sujeito ecológico se não for através da educação. E se o capitalismo quer matar o futuro, pois a exploração está voltada para atender os interesses lucrativos do presente, se quer nos afundar em uma realidade injusta sem solução, o socialismo é o futuro, a única forma de educar para uma reflexividade ambiental concreta, isto é, realista.
Se vivemos o realismo capitalista, o futuro, que não pode ser real, apenas imaginado, é socialista. Talvez o capitalismo adie o futuro porque ele será inevitavelmente socialista? Os filmes de ficção científica não imaginam mais o futuro, mas o prolongamento do presente. Catástrofes ambientais, epidemias, experiências tecnológicas para explorar o espaço, inteligência artificial… Nada disso é mais futuro, pois já estamos vivendo, talvez em fase inicial, mas já estamos vivendo. Educar para viver nestas realidades não é educação. Temos que parar de ensinar crianças a serem crianças. Melhor deixá-las nos ensinar a ser adultos. Isso é “aprender a aprender" e não a apropriação nefasta que o neoliberalismo fez deste conceito.
Do jeito que a destruição do capitalismo sobre a natureza anda, podemos pensar como propôs uma vez Terry Eagleton. O capitalismo “é perfeitamente capaz de deter-se abruptamente, sem a ajuda de seus opositores políticos. Se isto for uma boa ou uma má notícia para tais opositores é uma questão discutível. Não faz falta o socialismo para que paralise o capitalismo, só faz falta o capitalismo mesmo. O sistema é certamente capaz de cometer um haraquiri. Mas sim, faz falta o socialismo ou algo parecido, para que o sistema possa ser derrubado sem que nos jogue todos na barbárie”.[6]
Adorno já dizia que a questão mais urgente da educação é desbarbarizar. E se já estamos vivendo o prenúncio da barbárie causada pela ação do capital, a educação é mais importante que nunca.
Há um problema de tempo e espaço. Por um lado, o capitalismo é expansionista e explora um espaço cada vez maior para ampliar os lucros. Por outro, a exploração é para atender necessidades do presente, não das gerações futuras que tendem a sofrer com as consequências naturais.
Portanto, é preciso alertar a juventude de que o capitalismo está arrancando dela o futuro. Está tolhendo dela o direito à vida.
Como observou Marina Avelar sobre o método freireano, no qual a educação é política e “o papel do educador é justamente o de politizar esse processo e auxiliar a perceberem e modificarem as dinâmicas sociais”.[7]
Portanto, educação, meio ambiente e socialismo são conceitos voltados para o futuro. Por isso precisamos de uma educação ambiental anticapitalista.
[1] SOUZA, J. Inteligência artificial, algoritmos preditivos e o avanço do colonialismo de dados na saúde pública brasileira. CASSINO, J.; SOUZA, J.; SILVEIRA, S. (orgs). Colonialismo de dados. São Paulo: Autonomia Literária, 2021, p. 114.
[2] COSTA, Zé Pedro de Oliveira. Uma história das florestas brasileiras. Belo Horizonte, MG: Autêntica, 2022, p. 277.
[3] CHARBONNIER, P. Abundância e liberdade. São Paulo: Boitempo, 2021, p. 208.
[4] FISHER, M. Realismo capitalista. São Paulo: Autonomia Literária, 2020, p. 11.
[5] RIBEIRO, W. Meio ambiente: em busca da qualidade de vida. PINSKY, J. e PINSKY, C. (orgs.). História da cidadania. São Paulo: Contexto, 2008, p. 403.
[6] EAGLETON, T. Um futuro para o socialismo? BORON, A.; AMADEO, J.; GONZÁLEZ, S. (orgs.). A teoria marxista hoje. São Paulo: Expressão Popular, 2007, p. 456.
[7] AVELAR, M. O público, o privado e a despolitização nas políticas educacionais. CÁSSIO, F. (org.). Educação contra a barbárie. São Paulo: Boitempo, 2019, p. 77.
*Este artigo não reflete, necessariamente, a opinião da Revista Fórum.