CRISE CLIMÁTICA

Marketing da tragédia vira fake news com bolsonaristas

Embalados pela crise humanitária e climática no Rio Grande do Sul, políticos, influencers e empresas buscam promoção, engajamento e curtidas

Créditos: Brasília (DF) 08/05/2024 – Detalhe de rações para pets deixados na Base aérea de Brasília recebe doações para os atingidos das chuvas no estado Rio Grande do Sul. Foto: Joédson Alves/Agência Brasil
Escrito en OPINIÃO el

Minha saudosa e sábia mãe sempre dizia: "quer ajudar ou aparecer?". Em atos solidários, opto pelo anonimato. Ela também dizia que eu não era a régua do mundo. Não vejo utilidade em ser sommelier de ajuda. Tem muitas formas de ser solidário com o povo gaúcho nessa hora de tragédia humanitária e climática.

LEIA TAMBÉM: Rio Grande do Sul está no epicentro da crise climática

Atos de solidariedade, diante do avanço implacável da crise climática e das desigualdades do neoliberalismo, está virando produto e segue as leis do "marketing de tragédia" turbinadas pelo uso das redes sociais. Nessa prática, empresas ou pessoas exploram uma situação trágica ou desastrosa para angariar likes e promover uma marca, produto, serviço, ideia, esperteza ou fake news.

Um exemplo desse tipo de ação foi o que fez o Movimento Brasil Livre (MBL), que tentou lucrar em cima do sofrimento do povo gaúcho. O grupo de extrema direita divulgou que o valor das assinaturas ao clube deles que fossem feitas em um dia específico seriam enviadas para o Rio Grande do Sul

MBL

O deputado federal bolsonarista Luciano Zucco (PL-RS), com um salário de R$ 44 mil e renda de latifundiário, criou uma vaquinha para “ajudar o Rio Grande do Sul". Só que o pix era do Instituto Harpia Brasil – Asas da Ação da Liberdade, uma associação de extrema direita sediada em Goiás

Um outro youtuber de extrema direita, Paulo Kogos, fez uma vaquinha em uma transmissão ao vivo para arrecadar dinheiro para o estado, mas pelo visto cobrou pelo “serviço”: dos R$ 280 arrecadados, somente R$ 160 foram doados.

Além dessas almas sebosas e seus jeitos desumanos de viver em meio à dor do próprio povo, e que ainda tumultuam as ações de quem quer ajudar de verdade, tem também o "marketing da tragédia" corporativo. 

Especialistas

Há ongs estruturadas para atender nessas situações e é por lá que muitas empresas dão a cota de ajuda para os efeitos corrosivos do jeitinho neoliberal delas de ser. A logomarca de cada uma delas vai para uma galeria de parceiros do site da entidade escolhida.

As empresas, no linguajar do mercado, precisam se posicionar e usar os pacotes de iniciativas disponíveis para dar o recado solidário delas. Oportunidade de sair bem na foto.

Empresas na vitrine de site de ong

O Meio e Mensagem fez uma lista de empresas com ações especialmente empacotadas para a tragédia do Rio Grande do Sul: arrecadação de doações, transporte gratuito, congelamento de preços e condições especiais de pagamento.

A nata do rentismo

Redes Sociais

O Aeroporto Internacional Salgado Filho, em Porto Alegre, está fechado por tempo indeterminado desde o dia 6 de maio. Seguem em operação os outros aeroportos do Rio Grande do Sul: Bagé, Passo Fundo, Pelotas, Uruguaiana e Santo Ângelo.

As companhias Azul, Gol e Smiles, Latam instalaram postos de arrecadação e transporte de doações.  

O Itaú enviou R$ 5 milhões para iniciativa da Azul para os voos humanitários e R$ 5 milhões para a ONG União Brasil para destinar recursos à população local. Também está fazendo uma campanha de doação entre os funcionários e se comprometeu a doar um real a cada real doado. O Itaú lucrou 33,11 bilhões de reais em 2023.

O Mercado Livre, junto com o seu banco digital Mercado Pago, doou R$ 1 milhão para a ONG Ação da Cidadania. O Mercado Pago também incluiu uma funcionalidade de doação para o público na sua plataforma, com valores a partir de R$5. O lucro da empresa em 2023 foi de 4,935 bilhões de reais.

A BRF, que teve prejuízo de 2,03 bilhões de reais em 2023, junto com a Marfrig, com lucro de 4,2 bilhões de reais ano passado criaram um fundo de ajuda humanitária. Até o dia 20, a cada R$ 1 doado pelos consumidores, as companhias somarão mais R$ 1, triplicando o valor da doação. Também doaram 50 toneladas de alimentos e 5,5 toneladas de ração.

A C&A vai doar 50 mil peças para as famílias impactadas e está convidando o público a também contribuir por meio das urnas do Movimento ReCiclo, em suas lojas. O instituto também vai doar 20 mil kits de peças íntimas, uma tonelada de alimentos e 200 mil litros de água potável. Os residentes do estado clientes do C&A Pay terão isenção de cobrança de juros por atraso.

A Claro está concedendo bônus de 5GB de dados de internet para os clientes de serviço móvel pré-pago, nas cidades impactadas e habilitou suas redes para o acesso de outras operadoras. O Instituto Claro, por meio de seu programa de voluntariado, também mobilizou suas equipes para prestar auxílio aos desabrigados.

Influencers fazem lives

A influenciadora digital Mari Maria organiza uma ação de influencers brasileiros em prol das pessoas afetadas pela enchente no Rio Grande do Sul. No próximo sábado (11) vários influenciadores vão se reunir em São Paulo para coletar doações da população, que serão enviadas para os mais necessitados no sul do país.

O evento contará com a presença de Bianca Andrade, Blogueirinha, Pequena Lo, Niina Secrets, Letticia Muniz, Adam Mitch, Flávia Vianna, Vivi Wanderley e outros. Dá para acompanhar ao vivo pelo Reels.

Desastres acontecem

Para o "mundo corporativo" o marketing de tragédia pode virar um desastre. Como os 3% da Farm. A funcionária de uma loja da marca no Rio de Janeiro, Kathlen Romeu, de 24 anos, foi morta no dia 8 de junho de 2021, atingida por um tiro de fuzil no peito. Ela estava grávida de 3 meses. 

A marca de roupas que tem uma coleção de polêmicas bolou uma ação promocional após o assassinato. Propôs manter ativo o código de vendas de Kethlen para que a comissão das vendas de de 3% fossem para a família. Os outros 97% eram para a loja.

A Farm foi acusada de insensibilidade sobre uma tragédia e se retratou publicamente e pediu desculpas pelo erro.

O desabamento da obra da estação da Pinheiros da Linha 4-Amarela, em 2007, em São Paulo (SP), deixou sete mortos e abriu uma cratera. A Red Bull aproveitou para distribuir e promover a sua bebida energética. Ao ser questionada, a marca disse que seu foco são caminhoneiros, esportistas, médicos de plantão e outras pessoas "em situações de cansaço físico e mental". 

Além de usarem boné com a marca, as promotoras tiraram fotos para registrar o trabalho. Se não foi pro Insta, não aconteceu.