Dizem que essa frase é do falecido Walter Morelli, ministro do Trabalho do governo Itamar. Como em minhas pesquisas apenas uma fonte apareceu, não fica uma certeza plena, mas vale muito citar a frase. Mas você deve estar se perguntando do que estou falando. Explico.
Na última quinta (4), pela manhã, fui acordado com a boa notícia de que a 58ª Assembleia Geral do Conselho de Direitos Humanos da Organização das Nações Unidas (ONU) aprovou uma resolução a respeito de pessoas intersexo.
O Brasil foi um dos 24 estados que votou a favor, evidenciando assim uma política mais atenta aos direitos humanos e à população intersexo. Apesar do placar de 23 abstenções, os raios de sol parecem iniciar uma mudança de olhar dos membros da ONU.
Sei que houve um árduo trabalho de ativistas presentes ali que contribuíram nesse resultado favorável. A resolução convoca os estados-membros a combaterem as múltiplas discriminações que uma pessoa intersexo pode sofrer como, por exemplo, “no acesso à educação, à saúde, ao trabalho, ao esporte, à previdência social e restrições ao exercício da capacidade jurídica e ao acesso a recursos legais e à justiça” (tradução minha da resolução da assembleia).
No texto da resolução, a ONU também manifesta profunda preocupação voltada as “intervenções medicamente desnecessárias ou adiáveis, que podem ser irreversíveis quanto às características sexuais” e que muitas vezes ocorrem em crianças sem o consentimento informado delas. Além disso ficou decido que em 2025, na 60ª sessão plenária do Conselho de Direitos Humanos, deverão ser apresentadas informações sobre leis e políticas discriminatórias, além de expor políticas públicas e leis favoráveis a essas pessoas ao redor do mundo.
É preciso ressaltar a importância da presença do ministro Silvio Almeida durante a votação da resolução. Lembro quando iniciou sua gestão à frente do Ministério dos Direitos Humanos, ele disse que “vidas intersexo existem e são importantes”. Durante seu voto, o embaixador Tovar Nunes da Silva, representante do Brasil na ONU, destacou a preocupação da pasta com o corpo intersexo e da criação de um grupo de trabalho específico desde novembro de 2023.
Esse grupo de trabalho criado dentro da Secretaria Nacional LGBTIAPN+, sob o comando de Simmy Larrat, tem por objetivo analisar a violência causada contra corpos intersexo em terras brasileiras e almeja concluir seus trabalhos até o final do ano de 2024. Essa atenção dada pelo governo brasileiro é fruto de uma visibilidade ao esforço do jovem movimento social intersexo e das batalhas que tem enfrentado desde seu início, em 2015.
O título da coluna de hoje nos alerta também sobre a presença dos 20 países que fazem parte da ONU e que tem leis ou políticas públicas para pessoas intersexo. Há questões culturais e sociais envolvidas que levaram às manifestações positivas de alguns, mas às abstenções de outros, como países árabes que influenciaram a votação ocorrida nesta quinta.
Com isso quero dizer que a luta intersexo não é nada fácil e enfrenta muitos desafios. A prática da mutilação genital intersexo, item primordial de nossa luta, ainda ocorre. Ainda enfrentamos o poder médico em muitos países na busca pelo direito à integridade corporal de nossos corpos.
Ressalto aqui o trabalho de organizações intersexo e diplomatas que agiram nos bastidores para que a vitória de uma demanda de longa jornada fosse possível. Ao mesmo tempo, acredito que como participantes do movimento intersexo global temos que nos manter firmes e confiantes no trabalho que estamos fazendo, na certeza de que futuras gerações possam ter uma vida muito diferente da nossa, onde a integridade corporal não seja um sonho, mas uma realidade palpável.
Somos multiplicadores de uma mensagem e esta mensagem é uma só: é possível ser intersexo e ter um corpo preservado de mutilações. Só precisamos que esta mensagem caminhe com a nossa força, com a força de organizações intersexo e que seja levada também por pessoas endossexo aos lugares de poder.
Este amanhã é possível e precisa ser real para todes o quanto antes. Por isso lutamos!
**Este artigo não reflete, necessariamente, a opinião da Revista Fórum.