OPINIÃO

Pessoas Intersexo na 1ª. Marcha Transmasculina do Brasil – Por Amiel Modesto Vieira

As transmasculinidades por muito tempo não foram enxergadas pelas políticas públicas brasileiras, porém, isso pode mudar, já que desde o ano passado assumiu uma cadeira no Conselho Nacional LGBT+

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Um aviso a quem lê esse texto, esse é um texto que expressa mais uma percepção como participante da macha do que um texto mais detalhado sobre ela. No último domingo (3) rolou em São Paulo uma marcha diferente: a 1ª. marcha transmasculina. Creio eu que ela ocorre num momento importante, no qual a pauta de gênero nunca saiu da sociedade e seja na esquerda ou na direita a pauta LGBTQIAPN+ está sempre a rodear as discussões.

A marcha iniciou com uma abertura para Exu e todo seu panteão para abrirem os caminhos e abençoar o trajeto ali percorrido. Mesmo sendo um ateu, criado por anos na igreja evangélica e feito parte dela por muito tempo, fiquei feliz porque normalmente nesses momentos se invoca o deus cristão, porém, aqui pelo que entendo, a marcha quis fazer diferente e acolher a pluralidade religiosa brasileira, e não ficar restrita ao que sempre vemos em certas marchas.

Quando cheguei, um pouco antes da abertura, fiquei feliz com o número de pessoas que já estavam ali e vinham chegando. Acho que um adendo seria importante aqui. Sermos pessoas dissidentes e acolhido por seus pares é muito importante para mim.

Dormi na casa de um amigo intersexo e encontrei na marcha outros amigos intersexo que fazem parte da história da minha jornada no movimento. A relação entre a transmasculinidade e a intersexualidade sempre foi interseccional. Estar vivendo aquele momento único para mim não tem preço, me senti abraçado e querido por essas pessoas que caminharam comigo naquele domingo.

Durante o trajeto na Paulista fiquei pensando muito como é estar nesse lugar do invisível e por isso o título desse artigo. As transmasculinidades por muito tempo não foram enxergadas pelas políticas públicas brasileiras, porém, isso pode mudar, já que desde o ano passado assumiu uma cadeira no Conselho Nacional LGBT+. Agora, em conselho que pensa direitos humanos para a população dissidente desse país, temos uma representação transmasculina para discutir e propor ações estatais, inclusive na conferência nacional que deve ocorrer ano que vem.

Apesar de ainda não estarmos presentes para discutir a intersexualidade no conselho, desde o ano passado foi criado pelo Ministério dos Direitos Humanos um grupo de trabalho para investigar questões relativas à intersexualidade em nosso país. Ações como essa nunca foram feitas em governos anteriores e mostram uma preocupação a nível governamental com nossas vidas. 

A partir da articulação do movimento intersexo brasileiro e da ação de aliados a nosso favor, vemos a cada dia que a discussão tem começado a tornar-se relevante no cenário nacional. Um exemplo disso foi o reconhecimento pelo Conferência Nacional de Saúde (CNS), no ano passado, advindo da articulação entre movimento social e uma organização aliada representante naquele espaço, quanto à violência exercida pelo poder médico com vidas intersexo propondo a eliminação da prática das cirurgias de mutilação genital no Brasil.

Sabemos que para essa recomendação do CNS tornar lei, temos que encontrar aliados no Congresso capazes de enfrentar o conservadorismo, e ao vencermos essa batalha tornar isso realidade. Apesar de esse ser um longo desafio, isso também mostra que não estamos parados e nossas vozes têm ecoado na sociedade.

De volta a marcha, fico a pensar sobre a importância da interseccionalidade de pautas, ou seja, neste caso específico, o cruzamento entre a transmasculinidade e a intersexualidade. Queremos ir além e racializar esta pauta tão embranquecida na luta cotidiana de “reexistência” por direitos reais. São muitos os desafios destas duas lutas e é preciso cada dia mais sairmos da invisibilidade, para saber equilibrar entre a pluralidade que existe em nosso meio de corpos, raça e identidades, acirrando cada dia mais o grito de luta de nossas importantes e variadas demandas.

**Este artigo não reflete, necessariamente, a opinião da Revista Fórum.