OPINIÃO

Aedes aegypti na América foi presente do imperialismo – Por Raphael Fagundes

Os europeus também trouxeram para nós doenças que, no século XXI, ainda assolam as populações locais

O mosquito Aedes aegypti.Créditos: Reprodução/Pixabay
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O estado do Rio de Janeiro decretou epidemia de dengue. Os casos aumentaram quase 1000% em relação ao mesmo período de 2023. Mas existe algo interessante sobre as origens dessa doença no continente americano. Ela é uma consequência da expansão imperialista do homem branco que espalhou pelo mundo uma série de germes que contribuíram, diretamente, para dizimar os povos subjugados e efetuar a dominação europeia do globo.

O historiador Alfred W. Crosby destaca que “devemos examinar a história colonial dos patógenos do Velho Mundo, pois o seu sucesso constitui um dos exemplos mais espetaculares do poder das realidades biogeográficas subjacentes ao êxito dos imperialistas europeus além-mar”.[1]

O mosquito que transmite a dengue chega às Américas pelos navios negreiros, isto é, pela colonização forçada de africanos que desembarcaram nestas terras para sofrerem em um dos piores regimes de trabalho da história da humanidade: a escravidão.

Jared Diamond explica que algumas doenças infecciosas “são causadas por micróbios capazes de se conservarem em animais ou na terra… Por exemplo, o vírus da febre amarela é transmitido por macacos selvagens africanos, e por isso sempre pode infectar populações rurais da África, daí ter sido propagado pelo comércio transatlântico de escravos, contaminando pessoas e macacos do Novo Mundo”.[2] Ou seja, além de diversos impactos sociais ocasionados pela estrutura escravagista e exploratória da formação das Américas, como o racismo, a miséria e outros problemas, os europeus também trouxeram para nós doenças que, no século XXI, ainda assolam as populações locais.

Mas por que falamos de febre amarela? Pelo fato de o mesmo mosquito transmissor da febre amarela urbana também transmitir a dengue. A pesquisadora da Fiocruz, Goreti Freitas, afirma que "combater o Aedes aegypti é fundamental para reduzir o risco da reintrodução do ciclo urbano da febre amarela, assim como para enfrentar a dengue, a Zika e a chikungunya".[3]

Contudo, há indícios de que a dengue tenha ocorrido na América antes dos primeiros casos de febre amarela. De acordo com Timothy C. Winegard, “há indícios que sugerem que os primeiros casos de dengue nas Américas vieram com africanos escravizados e/ou mosquitos importados da África na Martinica e em Guadalupe, em 1635, doze anos antes do primeiro caso registrado de febre amarela nas Américas. Existem também sinais e indicativos de que uma epidemia de dengue teria assolado o Panamá em 1699”.[4]

Falando no Panamá, Diamond afirma que “nem mesmo a malária e a febre amarela” “que representaram a maior barreira para a construção do canal do Panamá, são doenças americanas, mas são causadas por micróbios originários do Velho Mundo tropical, introduzidos nas Américas pelos europeus”.[5]

“O capital existia muito tempo antes que a América. Mas, o capitalismo como sistema de relação de produção [...] Se constituiu na história somente com a emergência da América”.[6] As palavras de Aníbal Quijano são precisas. O capitalismo para se tornar um sistema econômico global precisou escravizar, explorar, destruir a fauna e a flora das regiões dominadas. Precisou também infectar milhões de pessoas, arrancar suas vidas e submeter as populações ao terror de epidemias que hoje não os afetam, mas com as mudanças climáticas[7], provocadas pelos próprios europeus, pelo próprio capitalismo (que é por natureza inviável ecologicamente), podem vir a sofrer as mazelas de sua própria criação. O feitiço está prestes a se virar contra o feiticeiro.

 

[1] CROSBY, A. O imperialismo ecológico. São Paulo: Cia de Bolso, 2011, p. 205.

[2] DIAMOND, J. Armas, germes e aço. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2002, p. 204.

[3] https://www.ioc.fiocruz.br/noticias/conheca-os-mosquitos-que-podem-transmitir-febre-amarela

[4] WINEGARD, T. O mosquito: a incrível história do maior predador da humanidade. Rio de Janeiro: Intrínseca, 2022, p. 276.

[5] DIAMOND, J. p. 359.

[6] QUIJANO, Aníbal. “Colonialidad del poder, eurocentrismo y América Latina”. In: LANDER, Edgardo. La colonialidad del saber: eurocentrismo y ciências sociales. Perspectivas latinoamericanas. Buenos Aires: CLASCO, 2000, p. 132-133.

[7] https://www.google.com/amp/s/www1.folha.uol.com.br/amp/equilibrioesaude/2024/01/mudancas-climaticas-e-el-nino-causam-aumento-nos-casos-de-dengue-na-europa.shtml.

*Este artigo não reflete, necessariamente, a opinião da Revista Fórum.