O primeiro ponto que deve ser esclarecido é que a crise diplomática não foi causada pelo presidente Lula, mas por Israel. Quem está cometendo atrocidades é o governo de Israel. Em tempos sombrios é preciso dizer o óbvio…
Lula contribuiu historicamente para a sociedade mundial. É importante comparar as atrocidades com o nazismo para que tal projeto de poder encontre maior dificuldade para ressurgir. Com a ascensão da extrema direita que, claramente, tem em sua cartilha princípios de exclusão, que trazem a ideia de superioridade nacional, religiosa ou racial, não relacionar essas atitudes ao nazismo seria negligência.
Isso porque o Holocausto se tornou um lugar comum quando se trata de tragédia humana. Um tópos acionado pedagogicamente para compreender o que significa extermínio e genocídio. Lula não pode ser visto como negacionista do Holocausto, pelo contrário, ele contribuiu para que lembremos de tal tragédia.
Comparar com a guerra entre Ucrânia e Rússia é um absurdo ainda maior. A Ucrânia é apoiada belicamente pelos EUA, Alemanha, França etc. Já os resistentes palestinos…
Mas o que podemos entender como comparação? Tratando-se de acontecimentos históricos, o Marc Bloch afirma que comparar é incontestavelmente “escolher, em um ou vários meios sociais diferentes, dois ou vários fenômenos que parecem, à primeira vista, apresentar certas analogias entre si, descrever as curvas da sua evolução, encontrar as semelhanças e as diferenças e, na medida do possível, explicar umas e outras”. O historiador francês nos dá instrumentos pertinentes para avaliarmos as palavras de Lula: “São portanto necessárias duas condições para que haja, historicamente falando, comparação: uma certa semelhança entre os fatos observados - o que é evidente - e uma certa dissemelhança entre os meios onde tiveram lugar”.[1] Há semelhança nos fatos, o extermínio de uma etnia, e há também dissemelhanças, como o lugar, o tempo, os envolvidos etc.
Alguns podem dizer que o historiador estava se referindo aos fatos de um mesmo período histórico, já que em sua obra clássica analisou o poder curativo dos reis tanto na Inglaterra quanto na França. Porém, ao trazermos Max Weber para a discussão, observa-se uma abordagem em relação a “sociedades francamente heterogêneas e/ou muito afastadas temporalmente”.[2]
O historiador belga, Marcel Detienne, destaca que o que são “comparáveis”, “não são temas [...], mas os mecanismos de pensamento observáveis”. “A partir do momento em que foi descoberto um traço significativo, uma atitude mental (escolher, rejeitar…), tal traço, tal atitude fazem parte de um conjunto, de uma configuração”.[3]
Ou seja, os mecanismos que o governo de Netanyahu usa para expandir seu domínio são muito similares ao nazismo. A expansão é uma característica nazista, assim como massacrar civis, crianças e idosos por serem membros de uma outra orientação religiosa, cultural etc, também são características nazistas. Por isso que comparar Israel e Rússia é contraproducente enquanto que comparar Israel e o mecanismo usado pela Alemanha Nazista, não.
A comparação de Lula foi oportuna já que é possível comparar o que parece ser incomparável. Suas palavras foram corajosas porque lembrou a sociedade o que ela parecia esquecer, não o tema nazismo em si, já que é representado com grande frequência na indústria cultural e nos discursos políticos, mas os mecanismos, os procedimentos práticos de como funciona o nazismo.
[1] BLOCH, M. História e historiadores. São Paulo: Almedina, 1998, p. 121.
[2] THEML, N. e BUSTAMANTE, R. M. da C. História comparada: olhares plurais. Phoînix, UFRJ, Laboratório de História Antiga, Ano X, Rio de Janeiro, Mauad Editora, 2004, p. 11.
[3] DETIENNE, M. Comparar o incomparável. São Paulo: Idéias & Letras, 2010, p. 57.
*Este artigo não reflete, necessariamente, a opinião da Revista Fórum.