Quem ainda não viu a minissérie "Histórico Criminal", disponível na AppleTV, está perdendo uma das melhores estreias da temporada. O ótimo elenco conta com Cush Jumbo (da ótima série The Good Fight) e Peter Capaldi (famoso ex-Dr Who). Essa série policial que está ainda lançando episódios inéditos no ar por semana (falta apenas 1 para acabar, num total de 8) possui ótima premissa, defendida com garra por seus intérpretes. Não estamos diante da típica dupla de policiais de personalidades opostas, colocada no mesmo caso pra descobrir algo, e sim um jogo de gato e rato entre os 2, um contra o outro no tabuleiro.
Tudo começa devido a uma nova denúncia sobre um crime antigo, no qual o policial veterano Hegarty (Capaldi) teria investigado um suspeito, anos antes, e que agora surgem novas informações questionando se um homem inocente não pode ter sido ser preso e condenado no lugar do real culpado. Como o veterano se tornou importante, e possui toda uma rede de influência, ele suprime e afoga tudo relativo a esta nova denúncia. Mas a jovem policial June Lenker (Jumbo) não vai parar de investigar o passado, mesmo quando começa a sofrer retaliações dentro da polícia pelo esquema do veterano. E, pior, mesmo sendo forçada a trabalhar com Hegarty em novo caso, sua vida pode até estar em risco se ela não parar com a investigação paralela...
A minissérie possui uma grande vantagem pela racialização de suas personagens. A branquitude predominante na polícia é assumida e enunciada. O fato de termos uma protagonista negra de pele clara é trazido com várias camadas e contradições, desde sua mãe que é branca e não perdoa a polícia pelos constantes assédios com motivação racial ao seu marido, pai de June, já falecido; ao fato de que só existem 2 mulheres negras no respectivo departamento policial, e a colega retinta se sente constantemente preterida. Esse desenvolvimento de personagem é perfeito para os estudos da atriz Cush Jumbo, que já vinha trabalhando sobre a questão do colorismo em obras anteriores, como a imperdível série “The Good Fight” (disponível na Amazon Prime Video), e também numa releitura do famoso monólogo de Hamlet, que ela adaptou “como se Shakespeare houvesse escrito para uma personagem mulher negra e periférica” (nas palavras em diálogo com a colega crítica e pesquisadora Barbara Kahane). Vale conferir essa entrega da atriz clicando aqui.
Mas voltando a falar sobre a minissérie em questão, seu diferencial é justamente esse olhar contraditório entre perspectivas opostas, que não permitem que se assuma apenas um lado maniqueísta ou definitivo sobre qualquer ponto. E a ação da trama é bastante ritmada com bullet points fora do eixo, criando ganchos e intrigas que não deixam a tensão cair nas viradas de cada ato. A protagonista é proativa e não permite ser colocada em posição passiva da história em nenhum momento, o que não significa que suas ações sejam facilitadas pelo roteiro por causa disso, muito pelo contrário. E Capaldi também mantém o rojão de seu complexo personagem, tanto como antagonista, como coprotagonista, pois ele também possui suas camadas e contradições familiares e éticas afora da trama principal.
**Este artigo não reflete, necessariamente, a opinião da Revista Fórum.